Crescer, casar e ter filhos. Até os anos 80, especialmente no Brasil, essa era rota traçada e esperada para todas as meninas. A partir dessa década, com o acesso facilitado à pílula anticoncepcional e com a necessidade econômica das famílias em ter mais de uma renda, as mulheres brasileiras começaram a pensar em duas outras possibilidades antes e depois do casamento e dos filhos: se especializar e trabalhar.
Nasci quando minha mãe ainda era bem jovem e mais dois irmãos vieram depois. Eu não lembro dela sem trabalhar. Já minha tia mais velha teve quatro filhos, e minha tia do meio só teve uma filha. O fato interessante nesse contexto familiar e íntimo é que a minha tia, a que só teve uma filha, engravidou numa idade mais avançada que as irmãs. Esse microcosmo reflete de forma bem didática uma sociedade que vem se transformando ao longo das décadas até chegar no patamar das mulheres que, independente dos seus motivos, decidiram por não ter filhos, ou adiar essa decisão ao máximo.
De acordo com o estudo Estatísticas do Registro Civil de 2015, realizado pelo IBGE realizado em 2015, 14% das mulheres brasileiras não desejam ser mães, e o número de mulheres que se tornaram mães entre 30 e 39 anos aumentou de 22,5% (2005) para 30,8% (2015).
É cada vez mais comum entre as mulheres da minha geração que, por decisão e desejo, ou falta dele, decidiram que a maternidade nunca foi uma prioridade. Foi postergada para o final dos planos a serem realizados até chegar ao ponto de serem solenemente ignoradas. E sem um pingo de culpa.
Glaúcia Magalhães, paraibana que hoje reside em Chapecó, Santa Catarina, nunca sentiu desejo de ser mãe, nem ao menos gostava de brincar de bonecas. Mas ela lembra que o fato de ter afastado o “sonho” da maternidade foi a realidade crua que era obrigada a acompanhar pela obrigação da profissão. “A crescente violência/descoberta do mundo cão e tal já me fazia sofrer pelos filhos que eu não queria. Quando fui trabalhar na TV e tive acesso a coisas horríveis (sem edição), só reforçava a minha certeza”.
A cajazeirense Veruza Guedes, produtora cultural, me diz que não ter filhos não foi uma questão de decisão, só não fez parte dos seus sonhos.” Gosto de não ter compromissos a longo prazo e filho é pra sempre. Nunca evitei pelas vias normais, simplesmente não aconteceu e sempre agradeci ao universo por isso”.
Além da cobrança social por algo que não faz parte dos seus projetos pessoais, essas mulheres ainda passam pelo constrangimento de serem “acusadas” de ter algum problema de saúde, ou de serem confrontadas em algum momento pelo famigerado relógio biológico.
Casada há 8 anos, Josilene Gomes, assistente social, conta que já fez todos os exames médicos e que não tem nenhum problema de saúde. A maternidade é só um ponto que ainda está sendo discutido. “Tô de boas com meu biológico, e é cansativo ter que explicar que não tenho problemas. Me preocupo como essa cobrança acaba atingindo o psicológico de mulheres saudáveis que acabam se automedicando”.
Manuela Mariz, servidora pública, conta que a decisão por não ter filhos tem a ver com o fato dela enxergar a maternidade, e paternidade, como algo que deve ser vivido com exclusividade e doação completa, algo que ela não está disposta a fazer. “Vejo pessoas que tem filhos e simplesmente deixam eles pra lá. Não cuidam, não educam. Pra mim isso é muito pior. Se for pra botar um filho no mundo e não cuidar dele, é melhor não ter”, diz Manuela, que também aborda uma questão complexa: “Se for pra ter um filho, que seja com um companheiro que parceiro, que possa dividir comigo de forma justa as funções de criar, e isso parece ser o mais difícil de conseguir aqui no Brasil”.
Glaucia também levanta outra questão: o processo da gravidez e do parto. Além do aspecto física, de ter que levar uma gestação e ter a possibilidade real de passar por uma violência durante o trabalho de parto (no Brasil, uma em cada quatro mulheres sofreu violência obstétrica), a maternidade possui nuances que não podem ser divididas com mais ninguém. “Por mais presente que o companheiro ou companheira seja, a gravidez e o parto são processos que não tem como dividir com absolutamente ninguém, você tem que passar por isso sozinha”, concorda Josilene, que entre outros motivos para adiar a maternidade, lembra que em maior ou menor grau, a mulher acaba se doando muito mais que companheiro.
Mais escolaridade, menos filhos
Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) observou que o aumento no nível de escolaridade da mulher – e sua consequente maior inserção no mercado de trabalho – gerou um adiamento dos casamentos, diminuição da taxa de fecundidade e aumento na idade média em que a mulher decide ter o seu primeiro filho. No período de tempo analisado na pesquisa (1992 – 2014), foi possível observar que a média de filhos caiu para mulheres com até seis anos de escolaridade, manteve-se estável até os oito anos de estudo e voltou a cair ao completar nove anos de estudo, quando a mulher ingressa no ensino médio.
Em 22 anos, a média de anos de estudos das mães brasileiras cresceu em 44,7%. Enquanto as mulheres sem instrução têm, em média, quatro filhos, aquelas com mais de dez anos de estudo têm, em média, pouco menos de 2. Isso quando os filhos estão dentro de um projeto de vida.
Entre as entrevistadas para essa matéria, foi consenso a prioridade que deram ao estudo e ao trabalho, e sua relação direta com uma qualidade de vida considerada satisfatória.
O que não foi consenso, é a decisão final. Algumas delas já decidiram que essa possibilidade já está plenamente descartada. Por outro lado, algumas das meninas não descartaram a ideia por completo, incluindo adoção como opção.
A conclusão que podemos chegar é que a maternidade, que por muitas gerações fazia parte de uma vida “plena” para as mulheres, hoje não é mais considerada como objetivo principal, e às vezes nem secundário. Independente das motivações, do aspecto pessoal, da questão financeira e biológica, ser mãe é só mais um dos inúmeros objetivos que uma mulher pode colocar entre seus sonhos e desejos. E não colocar, se não quiser.