A capitã Pia Klemp vigiando o Mediterrâneo (Foto: Sea-Watch.org) |
Pia Klemp também é bióloga e ativista pelos direitos humanos, participou do salvamento de mais de mil migrantes, e agora encara processo que pode render mais de 20 anos de cadeia, além de multas altíssimas
Embora estes sejam tempos de imigração e xenofobia crescendo na Europa, também há casos capazes de reativar as esperanças, como o da bióloga alemã Pia Klemp.
A cientista é capitã do barco Sea Watch 3, com o qual ronda o Mar Mediterrâneo em prol de suas pesquisas, mas que não restringe o seu trabalho somente à biologia. Em suas viagens, ela e sua tripulação já atuaram em diversos trabalhos de resgate quando se encontraram diante de alguma dessas inseguras embarcações que transportam migrantes do Norte da África ao Sul da Europa.
Claro que um trabalho assim teria que enfrentar a contrariedade do atual governo da Itália. Desde que assumiu o Ministério do Interior do país, o líder neofascista Matteo Salvini impulsou diferentes medidas para criminalizar a imigração, e uma delas foi a proibir que barcos que trabalhem no resgate de refugiados atraquem nos portos italianos.
Contudo, tais políticas não intimidaram a bióloga, que continuou salvando vidas sempre que possível, mesmo que isso rendesse problemas com a Justiça italiana. E foi o que aconteceu: um tribunal da Sicília acusou Klemp e toda a sua tripulação de “cumplicidade com a imigração ilegal”, ao violarem reiteradamente a lei de Salvini.
Em entrevista ao jornal suíço Basler Zeitung, publicada nesta sexta-feira (07), a cientista relatou uma conversa que teve com seu advogado, dizendo que ela arrisca receber penas que “variam de multas com valores absurdos, até pena de prisão, que poderia chegar a 20 anos”. Na mesma entrevista, ela conta que já gastou centenas de milhares de euros com os custos do processo, dinheiro que tirou de suas próprias economias, e algumas doações recebidas, e reclamou: “Esses recursos poderiam ser melhor utilizados em mais missões de resgate, mas e desperdiçado em um processo de fachada”.
Pia Klemp se mostra disposta a combater na Justiça, e para isso conta com apoio em toda a Europa, incluindo o seu país. Mais de 60 mil pessoas já assinaram a petição que exige a suspensão do processo contra a capitã e toda a tripulação do Sea Watch 3. Além disso, o Café Bla, da cidade de Bonn (onde Klemp nasceu), anunciou uma campanha de arrecadação de fundos para ajudá-los, através da qual lançaram a cerveja Pia: cada garrafa do produto que é vendida rende 50 centavos de euros para a causa da bióloga, que trabalhou nesse mesmo café em sua juventude, como garçonete.
Apesar do otimismo e da obstinação, ela também mostra alguma resignação com certas situações. “Infelizmente, o pior já aconteceu, pois as missões de resgate marítimo foram criminalizadas (…) e isso não só culpa do governo italiano, mas também uma falha da União Europeia, que abandonou os valores com os que se comprometeu: direitos humanos, direito à vida, respeito às solicitações de refúgio e o dever dos marinheiros de resgatar quem está em perigo no mar”, manifesta a capitã Klemp.
A equipe de defesa que trabalha no caso afirma que, se necessário, apelará até à Corte Europeia de Direitos Humanos, em Estrasburgo, na França.