Mais cedo, postamos sobre assédio e violências que ocorrem com as passageiras em transportes públicos e de aplicativos. E a situação não é diferente quando a mulher é a condutora.
O perigo também pode estar no banco do passageiro.
A cada 11 minutos, uma mulher é estuprada no Brasil, de acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgados em 2015. Estudos mais recentes calculam que a cada hora 1.830 mulheres sofrem alguma violência ou agressão no país, algo como 16 milhões por ano. O volume de condutoras que atuam dentro do segmento de aplicativos ainda é baixo em comparação com o dos homens. Mas já há algum tempo temos visto mulheres marcando presença na profissão. Dados do setor indicam que o índice de motoristas mulheres chega a 15% e 20%. Por isso, as discussões em torno da proteção das condutoras se tornam tão relevante.
Que tipo de poder os homens têm para se sentirem no direito de assediá-las?
Para Daniela Pedroso, psicóloga do serviço de Violência Sexual do Hospital Pérola Byington, uma das referências brasileiras na saúde da mulher, a resposta está diretamente ligada à cultura do estupro. “Alguns homens acreditam que têm o direito sobre o corpo das mulheres. Que podem praticar diversas formas de assédio sexual, e até mesmo uma tentativa de estupro, por imaginarem que não haverá justiça, que nada vai acontecer”.
Em 22 anos de dedicação ao atendimento à mulher, Pedroso relata que os sentimentos de culpa e de vergonha são comuns entre as vítimas de violência sexual, ambos fortalecidos pela cultura do estupro. “Já devia estar claro na cabeça de todos, mas é sempre bom lembrar: a culpa nunca é da vítima.”
Uma forte alternativa para o combate a essa cultura do estupro é a educação sexual, segundo a especialista. Isso inclui orientar a criança desde pequena que o corpo só pertence a ela e que ninguém tem o direito de tocá-la. “A prevenção da violência sexual vem da educação, do diálogo. É fortalecer a menina para que ela tenha coragem de procurar ajuda. É formar a mulher do futuro, que vai se sentir mais segura e mais apta para poder se defender”, reforça.
Se uma mulher sofre algum tipo de assédio no ambiente de trabalho, a empresa tem a responsabilidade de tomar uma atitude contra isso, certo? Mas, no caso dos aplicativos de transporte, a coisa não funciona bem assim. As plataformas de empresas como Uber e 99 funcionam como mediadores entre quem deseja contratar um serviço e quem está disposto a oferecê-lo. Ou seja, os carros não pertencem às empresas e os motoristas não são profissionais vinculados. Eles trabalham em um esquema de parceria. Por essa dinâmica, a advogada Gisele Truzzi, especialista em direito digital, acredita que juridicamente dificilmente essas empresas podem ser responsabilizadas.
“O caso de assédio é uma situação muito específica que ocorre diretamente dentro do veículo, entre motorista e passageiro, e não por meio da plataforma. É um problema que se inicia a partir do momento que o passageiro ingressa no veículo. Por conta disso, a Uber não é responsável por esse tipo de situação”, explica.
Apesar disso,dada a gravidade do problema, a advogada acredita que as empresas devem se colocar à disposição das motoristas assediadas, oferecer auxílio jurídico e criar campanhas ensinando como elas podem se defender. A também advogada Vanessa de Araújo Souza, especialista em leis de tecnologia que trabalha no Vale do Silício (região nos Estados Unidos onde a Uber nasceu) e no Reino Unido, explica que as políticas da Uber até o ano passado eram mais brandas para casos de assédio. Mas, com o movimento “MeToo” as empresas começaram a adotar novas normas de conduta e, em tese, estão mais pró-ativas em coibir esses tipos de conduta.
Existem críticas sobre a forma pouco clara como os usuários da da plataforma são punidos, mas a advogada considera que há uma mudança efetiva sobre a política de diversidade, que passou a banir racismo, assédio sexual e protege mais motoristas e passageiros.
Se não é responsável, o crime fica impune?
Não. Apesar de a empresa poder não ser responsabilizada em um processo judicial (tudo também depende da percepção do juiz que vai decidir o caso), um processo criminal pode e deve ser iniciado. Para a advogada Souza, as vítimas devem denunciar os crimes.
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