Um dossiê da Google BrandLab, divulgado no primeiro semestre de 2018, indicou que 75% dos homens brasileiros, na faixa entre 25 e 44 anos, nunca tinham ouvido falar de masculinidade tóxica. Naquela época, o termo já era conhecido pelo terapeuta integrativo Marcus Boaventura, 26 anos, que andava inquieto com “a quantidade de mortes que o machismo provoca, tanto suicídio quanto homicídios e feminicídios e qual seria a raiz disso”.
Boaventura rejeita a expressão “masculinidade tóxica”, mas aborda aspectos abarcados por ela no projeto O Macho da Relação, lançado em julho do ano passado por meio de um perfil no Instagram e da realização de encontros presenciais.
Na avaliação dele, o emprego de “masculinidade tóxica” acaba segregando em lugar de agregar. “Assim,
o cara pensa que é tóxico em sua integralidade, então eu prefiro falar em traços nocivos da criação machista”, defende.
Embora vários fatores estejam envolvidos nos atos de violência, a impressão do terapeuta quanto às ocorrências envolvendo homens encontra suporte nas estatísticas.
De acordo com o Mapa da Violência de 2017, o número de suicídios entre homens é quase quatro vezes maior do que entre mulheres.
Por outro lado, o Atlas recentemente divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) mostra que a taxa de homicídios contra mulheres cresceu mais do que a taxa geral.
Também aumentou o percentual desses crimes que ocorrem dentro das residências, o que Ipea aponta como indicativo de feminicídio.
Com cerca de 18,6 mil seguidores no Instagram, entre homens e mulheres, a página O Macho da Relação aborda fragilidades, limitações e questionamentos tantas vezes reprimidos por padrões de masculinidade.
Quando Boaventura ainda dividia o projeto com um amigo psicólogo, eles realizaram alguns encontros presenciais.
Nesse período, um dos participantes conseguiu reatar um relacionamento após abrir mão da postura “quem manda na casa sou eu” e entender a importância de dividir atividades domésticas e ser proativo com a parceira.
Comunicação
Como outros terapeutas devem integrar o projeto no segundo semestre, a intençao de Boaventura é retomar os encontros presenciais, até porque acredita que “90% dos problemas dos homens são relacionados com falta de comunicação”.
Embora afirme que nunca se enquadrou na imagem do “machão tradicional”, a partir do projeto ele identificou em si próprio uma tendência a querer dar a última palavra, a ser a pessoa da relação que define o certo e o errado. Ele reconhece que dificilmente desconstruirá todo o machismo presente em si próprio, mas garante que reflete sobre o tema o tempo todo.
Embora também nunca tenha se enxergado como “o macho médio”, o professor de filosofia Valério Cássio Jr., 33 anos, passou a revisar alguns pontos da masculinidade a partir do relacionamento com uma feminista. “Ela passou a apontar incidências de uma conduta sexista ou misógina que eu não reconhecia dessa forma”, declara.
Como exemplo, ele cita a dificuldade inicial de naturalizar a forma como a namorada lida com amigos, o que inclui proximidade física e disponibilidade para sair junto, algo que ele não estranhava na relação dela com as amigas.
“O que está em jogo talvez seja muito mais uma tentativa de igualdade real dentro da relação. Mas não é simples, a gente tem de se refazer o tempo inteiro e às vezes é muito duro”, avalia.
Com casamento marcado para outubro, o professor e a namorada ainda não moram na mesma casa, mas passam bastante tempo juntos, o que tem contribuído para a divisão gradual das atividades domésticas.
Ainda assim, eles conversam sobre a dinâmica a ser adotada quando dividirem o mesmo teto, com a definição do que cada um fará cotidianamente.
Sobrecarga
Integrante do Conselho Regional de Psicologia e do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher da Universidade Federal da Bahia (Neim/Ufba), a psicóloga Darlane Andrade conta que a sobrecarga com os cuidados domésticos tem sido uma das queixas mais comuns entre as mulheres. Cansaço extremo, dor de cabeça, sintomas de depressão e ansiedade são consequências frequentes dessa concentração de responsabilidades, diz a profissional.
Por conta disso, ela ressalta a importância da adoção de práticas igualitárias no campo da intimidade, no cotidiano das casas, pois “o trabalho doméstico é responsabilidade de todo mundo”. A psicóloga defende que também as crianças, meninos e meninas, sejam incluídas na divisão de tarefas, para que os garotos cresçam sabendo que cuidar de casa não fere a masculinidade.
Do ATarde