O consumo de álcool na gravidez, apesar de ter diminuido bastante no Brasil nas últimas décadas, ainda é um problema comum nos Estados Unidos. Tanto que quarenta e três estados americanos têm políticas voltadas para mulheres grávidas que bebem. No entanto, um estudo mostrou que elas soam “ameaçadoras” e pesquisadores dizem que, quando se trata de proteger a saúde das crianças, assustar as mães pode fazer mais mal do que bem. Entenda.
Não é novidade que o consumo de álcool durante a gravidez pode prejudicar o bebê. Mas como abordar as gestantes que bebem, de modo que essa conscientização produza bons resultados e não seja ofensiva? Um estudo americano publicado em maio passado na revista PLOS One, mostrou que os esforços das campanhas de prevenção e proteção em relação ao álcool na gravidez, podem até ser prejudiciais à saúde não só das grávidas como de seus bebês. Conduzida pelo bioestatístico Meenakshi S. Subbaraman, do Instituto de Saúde Pública dos Estados Unidos, e pela obstetra Sarah CM Roberts, professora adjunta de obstetrícia e ginecologia do grupo de pesquisa do Hospital Zuckerberg San Francisco (UCSF), a pesquisa analisou as políticas estaduais destinadas a impedir que as mulheres grávidas bebam.
Eles descobriram que várias dessas políticas, incluindo a colocação de sinais de alerta em bares e restaurantes e a definição de “abuso infantil” ou “abandono” relacionado ao ato de beber durante a gravidez, estão associadas a piores resultados na saúde das grávidas e seus bebês. Isso porque, segundo o estudo, tais campanhas e políticas públicas acabam por “desencorajar” mulheres a procurarem atendimento pré-natal. Em entrevista ao site Vox.com, a obstetra Sarah Roberts disse que, normalmente, quando se fala de danos em situaçãoes assim, eles estão ligados ao próprio uso das bebidas. A novidade apontada no estudo é que até essas mensagens, que deveriam funcionar como forma de prevenção e conscientização, foram vistas como pouco eficientes ou maléficas.
Políticas de prevenção e conscientização causam medos nas grávidas que bebem
Com esse novo olhar sobre a questão, o estudo chama a atenção para a maneira como médicos e governos abordam a questão da saúde materna, sugerindo que, em vez de desencorajarem as mães de beberem, tais políticas deixariam as que já bebem ainda mais assustadas, funcionando como uma “barreira” que as impedem de receber ajuda pré-natal, por exemplo. Essa, aliás, foi a motivação de Roberts para iniciar o estudo. Ela conta que trabalhava com grávidas usuárias de álcool e drogas, no norte da Califórnia (EUA), e notou que “elas tinham muito medo de serem denunciadas aos Serviços de Proteção à Criança e terem seus filhos separados delas após o parto”. Algumas delas ainda pensavam que como já haviam causado danos aos seus fetos, de nada adiantaria procurar ajuda. Outras achavam que realizar o pré-natal só faria com que os médicos a julgassem ainda mais, podendo ainda denunciá-las.
O medo das políticas públicas por parte desse grupo de mulheres estava claro para Roberts. No entanto, ela queria saber se o mesmo acontecia nos outros 43 estados dos Estados Unidos em que tais políticas são aplicadas. Foram analisadas 4 políticas nesse sentido: a obrigatoriedade de colocar cartazes de advertência em restaurantes e outros locais que vendem bebidas alcoólicas; a classificação do consumo de bebidas alcoólicas e drogas durante a gravidez como abuso infantil ou negligência; o fato de darem prioridade ao tratamento por excesso das substâncias; e o processo criminal que elas poderiam encarar por beber durante a gravidez (por exemplo, com o uso dos resultados de exames médicos pré-natais em julgamentos criminais).
Surpreendentemente, os pesquisadores descobriram que cada uma dessas quatro políticas – incluindo aquelas destinadas a ajudar as mulheres – teve efeitos negativos significativos na vida delas, levando, inclusive a um aumento no número de bebês prematuros ou com baixo peso ao nascer, o que era agravado justamente pelo medo de procurar um médico e realizar o pré-natal. Para aquelas que acreditavam que, ao beber durante a gravidez, já haviam causado danos irreversíveis ao feto, mais do que impedi-las de visitar um obstetra, esse medo fazia com que elas desistissem de tentar parar de beber.
Punir as gestantes não resolve o problema
Para os pesquisadores, mais do que somente punir ou avisar as mulheres sobre os riscos que elas podem causar aos seus bebês, a pesquisa deu indícios de que é preciso que médicos, governos e sociedade possam desenvolver formas realmente eficazes para desestimular o consumo de álcool na gravidez. Uma das ações apontadas pelos especialistas como eficientes é reduzir a disponibilidade física de álcool, limitando as horas e locais onde ele pode ser vendido, e aumentando os impostos sobre bebidas alcoólicas. As descobertas também têm implicações na forma como os médicos conversam com as grávidas nessas condições. Segundo Sarah Roberts, pode ser que eles precisem comunicar-se mais claramente com elas. “Precisamos ter mais cuidado com as mensagens de saúde relacionadas a danos potenciais do uso de álcool e drogas durante a gravidez. Assustar as pessoas não está, necessariamente, tendo o efeito pretendido”, concluiu a obstetra pesquisadora.