Ruanna Gonçalves, da banda Gatunas |
A participação das mulheres na cena musical paraibana tem crescido consideravelmente. São festivais, coletivos, bandas, grupos onde elas têm sido protagonistas, ocupando seus espaços de maneira definitiva e com posicionamentos marcantes sobre o ser mulher neste meio, quebrando preconceitos. No Festival de Música da Paraíba, realizado em maio pelo Governo do estado, através da Funesc, Rádio Tabajara e Secretaria de Comunicação, essa presença feminina foi marcante, tanto de compositoras quanto de cantoras mostrando o seu talento para todo o estado. Entre as participantes estão Aline Mebiah, Ruanna Gonçalves, Tathy Martins e Nara Santos.
A força da mulher negra – Aline Cardoso, nome artístico Mebiah, começou a escrever música e poesias com apenas 18 anos de idade. As referências para suas letras são as mulheres negras. “Minhas composições vêm dessa força, de mostrar o lado de viver fora dos padrões, me inspiro em coisas que eu vivi, buscando passar uma mensagem de auto-estima feminina”, revela.
Este não é o primeiro festival que Mebiah participou. Ela já esteve no Campo Minado, que foi o primeiro festival de mulheres do hip hop realizado em João Pessoa em 2018 e o Festival Grito, que aconteceu este ano. “Sinto um impacto muito grande ao participar de festivais. São muitos artistas e um público diverso, o que dá uma oportunidade para as pessoas conhecerem melhor seu trabalho, é a maneira rica de conhecer um artista, é um clima festivo de diversidade, sempre tem uma galera de todas as cores, formatos, ideias, tamanhos, são eles que dão vida a cena.”, afirma a cantora. A primeira gravação de Aline Mebiah foi uma participação como backing vocal na música “Memórias de um louco”, do cantor Jeff Lui. Já a sua primeira composição foi “Meus ideais”, música com a qual ela participou no Festival de Música da Paraíba, ficando entre as seis semifinalistas.
Sobre a crescente participação feminina no cenário musical, Mebiah diz que sempre se sentiu muito sozinha, mas nunca desistiu de seguir em frente. “As mulheres artistas da Paraíba passam por isso, e eu sempre bato na tecla de nunca aceitar o pouco sofá, sempre brigar por mais, a cena precisa ser mais valorizada, abraçada. Grito pelo empoderamento feminino, essa falta de espaço me chateia, daí me posiciono e cobro mesmo, sou do rap e não consigo fazer a linha egípcia e fingir que não estou vendo, é bater de frente é a hora que viro uma diva, sigo o caminho sem se abalar pelo preconceito no meio ainda bastante masculino, só basta ter foco e garra.”, afirma a determinada Mebiah. Atualmente, ela está trabalhando no seu novo álbum, que trará uma mistura de soul, dub e rap, e está sendo produzindo por Pierre Alexander.
A gatuna Ruanna – Uma das vocalistas da banda Gatunas, Ruanna Gonçalves,também foi uma das semifinalistas no Festival. Para ela, foi uma das experiências mais importantes que teve em sua vida, pois foi a pouco mais de um ano que começou a escrever. “Além de ter sido meu primeiro festival como compositora, foi também minha estreia como vocalista. Eu estava bastante ansiosa, pois precisei representar sozinha a minha banda Gatunas, assumindo o vocal logo em um festival grande e disputado por importantes nomes da música paraibana.”
Assumir-se cantora e compositora é algo bem novo para Ruanna, e o retorno que está tendo do público, produtores e colegas da área musical a tem fortalecido para seguir adiante. “Eu já havia participado de outros festivais (por exemplo: festival Grito, Marielle Vive, entre outros), mas sempre na função de guitarrista ou pianista e backing vocal. Atualmente, eu e a contrabaixista Morgana Morais, que também é compositora, decidimos tomar a responsabilidade dos vocais de Gatunas.”,informa.
Desde a adolescência Ruanna atua como arranjadora, momento que começou a tocar em bandas, mas era “travada” em relação a escrever. Ela fazia muitasexigências a si mesma, achando sempre que o que escrevia nunca estava bom. “De repente, em uma brincadeira, saiu minha primeira composição e os amigos próximos gostaram, mas eu não levei muito a sério e deixei essa primeira música na “gaveta”. Alguns meses depois, Morgana mostrou o começo de uma letra e eu logo completei, essa música em parceria com Morgana”, conta. Foi aí que surgiu o primeiro lançamento da Gatunas, “Negra de Ginga”.
Ruanna avalia que na Paraíba o cenário para compositoras tem crescido muito e a própria representatividade feminina no festival revelou isso. “Atribuo esse crescimento a projetos que incentivam mulheres artistas a mostrarem suas produções, tais como o projeto IARAS, que é direcionado especificamente a compositoras, e o projeto LIS (Liberdade, Igualdade e Sororidade), que dialoga com diversas manifestações artísticas femininas.”, afirma.
Ela acrescenta ainda que é importante que as mulheres tenham confiança e apresentem suas artes sem medo dos julgamentos. “Além disso, vejo que as mulheres são muito mais reconhecidas quando assumem o papel de cantoras no meio musical, pouco se vê instrumentistas se destacarem na cena local, por exemplo, e acho isso bastante limitante.
Sim, existe machismo, e penso que é algo bastante acentuado na música. Precisamos mostrar o tempo todo que somos boas, que podemos ocupar os palcos, e que isso nada tem a ver com nossa aparência física. Acho que ainda existe muito conservadorismo e quando uma mulher canta em tom de denúncia, utilizando a música como luta por igualdade gênero, tem gente que se incomoda e tenta desqualificar. Mas trabalhamos todos os dias para que consigamos ocupar mais espaços através do nosso som, e que possamos servir de inspiração a outras mulheres.”, reforça Ruanna.
O festival Iaras – Ela não participou do festival de música da Paraíba, mas é um dos nomes de referência no cenário musical feminino. Val Donato tem 14 anos de estrada e é a idealizadora do projeto Iaras, que tem entre suas propostas estimular as mulheres a se expressarem através da arte, com foco maior na música e na escrita. “A gente tenta reunir mulheres nos mais diversos níveis de envolvimento com a arte no mesmo espaço para o exercício da criação artística”, conta a cantora.
Assim como suas companheiras da cena musical paraibana, Val Donato percebe uma notória melhora na participação de mulheres, mas que ainda está longe do ideal. “Quando lancei o projeto Iaras tivemos uma boa receptividade, mas ainda precisamos lutar por nossos espaços e essa luta vem surtindo efeitos, pois percebo uma busca muito maior por compositoras”, reforça. O Iaras teve sua primeira edição em 2018 e também contou com a parceria da cantora Glaúcia Lima e as participações de Kalyne Lima, do Sinta Liga Crew, Priscila Santana, Joana Knobe, Katiuscia Lamara, Baque Mulher, As Calungas e Tanto Canto. “Penso que estamos vivendo um bom momento para novas criadoras e artistas darem as caras e se aprimorarem. Este ano estive um tanto ausente do projeto, mas espero conseguir realizar uma bela edição no segundo semestre, com novas oficinas e quem sabe um festival”, adianta.
A experiente Nara – Foi com a música “Tia Ciata”, que Nara Santos participou do Festival neste ano. A música conta a história de Hilária Batista de Almeida, uma das referências do samba carioca. “Eu já nasci num ambiente musical. Meu pai, Pedro Santos era maestro e compositor e me matriculou na escola de música Antenor Navarro. Foi assim que comecei”, diz Nara. Ela também participou de corais, entre eles, o Voz Ativa. Não foi a primeira vez que Nara esteve em umfestival de músicas. Em 2011, ela participou de um organizado pelo Sesc e em 2018, concorreu com sua antiga banda Avuô, ficando em terceiro lugar. Só em 2019, que ela entra como compositora, ficando também entre as finalistas. “Fiquei muito feliz ao saber que estava na final. Eu consegui sedimentar o meu nome como compositora e dentre 250 canções, a minha foi finalista. Foi uma experiência incrível”, conta Nara, que atualmente integra a banda Meu Quintal e o grupo de percussão Sambatucagem, formado só por mulheres.
Nara Santos já possui cerca de 30 canções autorais, boa parte ainda não revelada ao público. Ela está empenhada na organização de dois shows: um para mostrar as suas composições e o outro da banda Meu Quintal, que vai lançar seu terceiro CD em 2019. Juntamente a Raab Catarine e Jéssica Melo, Nara está organizando um coletivo formado por compositoras das cidades de Campina Grande e João Pessoa.
O florescer de Tathy Martins – O primeiro contato com a escrita veio através da poesia e das crônicas que escrevia, desde a adolescência. Escrever música começou através do projeto Iaras. A partir daí, Tathy Martins seguiu seu caminho, chegando a ser a cantora da banda Mumbaia. “A primeira música que finalizei foi a que inscrevi no festival da Funesc. Minhas composições falam das minhas experiências de vida e de histórias reais que presenciei nesse tempo que venho me redescobrindo como compositora, fala de empoderamento, amor próprio, relações, sagrado feminino, sobrevivência”, revela. Foi com a composição “Florescer”, que Tathy chegou a semifinal do Festival de Música da Paraíba. “Inscrevi a primeira música que compus, que antes se chamava “Sou Forte, sou Mulher.”
Tathy Martins considera sua chegada ao Festival como um renascimento. “Achei bastante gratificante, subi ao palco depois de uns nove meses. Deu um nervosismo no início, mas pelo tempo de uma gestação foi o momento de renascimento da Tathy Martins, de florescimento… Fiz muitas amizades, parcerias, aprendi muito, primeira música e primeiro festival e chegar numa final com início de carreira solo é indescritível.”, afirma.