SORORIDADE: juntas somos mais fortes |
Numa noite de meninas, quando saímos num grupo de amigas, nos deparamos com uma moça totalmente bêbada que literalmente caiu nos nossos pés. Era uma moça jovem, que tinha se perdido dos amigos e estava totalmente vulnerável. Nós conseguimos que ela sentasse numa cadeira, trouxemos água, esperamos que ela se acalmasse, limpamos os machucados nos seus joelhos. Uma outra mulher apareceu, conhecida nossa, e se ofereceu para cuidar dela e leva-la pra casa. Passamos um bom tempo conjecturando o que poderia ter acontecido com aquela moça se, ao invés de caído nos nossos pés, tivesse caído nos pés de alguns homens, desses que se aproveitam de mulheres bêbadas e vulneráveis.
O nome disso é SORORIDADE, que nada mais é a definição da aliança entre mulheres em busca de um bem comum.
Crianças, jovens, adultas e idosas. Em 2019, em 1999… Trocam-se idades, cenários, datas, mas o assédio contra o sexo feminino está costumeiramente presente. Concomitante (ou alheio) às leis, as próprias mulheres decidiram se unir para se salvarem.
Neste mês, um caso explodiu nas redes sociais: uma mulher foi salva por uma desconhecida, quando estava sendo assediada em um ônibus no Rio de Janeiro. A salvadora escreveu um bilhetinho no qual dizia que Thaíza Paula, a vítima, poderia mexer na orelha caso estivesse se sentindo incomodada com o homem sentada ao seu lado. Após nossa reportagem (releia aqui), o caso estourou e Thaíza participou do programa global Encontro, da Fátima Bernardes, na última segunda-feira (24).
O caso pode ter surpreendido milhares (certamente, a enorme maioria homem), mas é lamentavelmente corriqueiro. Veja alguns exemplos de sororidade e de como não é tão difícil assim fazer sua parte diante de um caso de assédio.
Criança na mira
A profissional de relações públicas, Suellen Bárbara, teve seu momento de heroína neste mês. Mais precisamente, no dia 14, um sábado. Quando ela saiu de uma farmácia, se deparou com as moças andando um pouco à sua frente, juntamente com uma criança que estava logo atrás delas com algumas sacolas.
“Até então tudo normal. Foi quando eu vi um homem indo atrás da menininha. Então corri na mesma hora, peguei ela pelo braço e fui carregando e falando ‘só anda pra frente’. Até que alcançamos a sua família, eu expliquei mais ou menos o que estava acontecendo e a gente parou e ele sumiu”.
Suellen confessa não saber de onde tirou forças. Mas que o medo de ver aquele homem indo em direção a criança teria a apavorado. “Eu fiquei com medo por causa da criança, eu fiquei pensando no pânico que ela iria passar”, completa.
Abraço acolhedor
2019, 1999… No caso da Andrezza Lins, assistente social, ela foi salva por outra mulher na década de 1990, quando, segundo a mesma, a sociedade era “bem pior”. Ela conta que havia acabado de passar na universidade e não tinha o costume de fazer viagens longas de ônibus. E, em um dia específico, um rapaz que também estava no transporte público começou a olhá-la incessantemente.
“Quando chegou a hora de descer, o rapaz veio atrás de mim e me intimidava a todo custo com olhar. Eu, com 17 anos, estava com muito medo e tentava de toda forma desviar dele no meio das pessoas. Mas por sorte, uma senhora havia percebido desde dentro do ônibus a atitude do rapaz, e ao ver ele me seguindo, fingiu que me conhecia, gritou ‘meu nome’, me abraçou e disse ‘ele não vai mais te seguir, te acompanho até seu destino’. Eu nunca esqueci esse anjo”.
A assistente social ainda conta que na época teve muito medo de as pessoas não acreditarem nela. “Vivemos em uma sociedade machista, mas naquela época era bem pior. Eu tinha medo de ninguém acreditar ou dele fazer algum mal contra mim. Mas hoje ensino minha filha de 11 anos a não ter medo de pedir apoio, com cautela claro, porém nunca se calar”.
Raiva, nojo, coração acelerado…
Já Lane Souza relatou ter presenciado diversos casos de assédio e em todos ter se manifestado. “Em todas as situações me vem uma raiva, nojo, coração bate acelerado e vem um sentimento de angústia. Meio que não dá para acreditar naquilo, sabe?!”, confessa.
Um dos casos que mais teria lhe chamado atenção foi quando um homem, que, segundo ela, aparentava ter uns 40 anos, não parava de olhar para uma criança que estava do outro lado do ônibus. No início, Lane diz ter achado que ele era pai da menina, até que o homem teria começado a passar a mão em sua própria parte íntima.
“Me deu um nojo tão grande. Daí olhei para a menina e perguntei com quem ela estava e ela disse com a mãe. Então pedi para ela apontar: a mãe dela estava em pé, um pouco mais na frente. Fui até a mãe da menina e falei o que estava acontecendo, a mulher ficou assustada e foi para perto da criança”, relata. “Aí fiquei pensando: ‘já pensou se ele estivesse sentado do lado da menina?!’. Quando a gente chegou no terminal e todo mundo desceu, ele ficou parado olhando a direção que mãe e filha estavam indo, mas depois desapareceu”.
Crime
Enquanto a sororidade é louvável, a autoria do chamado assédio é crime – e pode render anos de cadeia. Desde o ano passado, a realização de ato libidinoso na presença de alguém e sem sua anuência é configurado como importunação sexual e quem praticá-lo pode pegar de 1 a 5 anos de prisão.
“É necessário que crimes como esses sejam tipificados, que sejam trazidos a lume da sociedade, seja divulgado esse tipo de sanção, mostrando que, felizmente, não é mais permitido esse tipo de postura machista e essa conduta violenta contra a mulher”, afirmou à época em que a lei foi sancionada, a juíza Rejane Suxberger, do Juizado Especial de Violência Doméstica de São Sebastião (DF).
do site BHAZ