Edivânia Ferreira e suas duas filhas |
Basta uma crise política, econômica e religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. A frase é de Simone de Beauvoir, e apesar de ter sido dita há quase 50 anos, reflete o atual contexto social em que vivemos. Crianças precisam ficar seguras para que seus pais possam trabalhar. Numa cultura em que o cuidados dos filhos é majoritariamente das mães, esse a falta de vagas em creches acaba sendo mais um problema quase que exclusivamente feminino.
Mãe de duas filhas, Edivânia Ferreira da Silva, 32, saiu de casa na chuvosa manhã de sexta-feira (28) em busca de uma creche para sua menina de 2 anos e 5 meses.
No conjunto Novo Jardim, periferia de Maceió, após outra negativa de creche pública, buscou uma
particular para deixar a filha e atuar como diarista. “Já fui em duas creches públicas, mas não tinham vaga. Na privada que fui agora, a mensalidade é de R$ 350. Não tenho como pagar”, diz.
A realidade de Silva é a mesma de milhares de mães que não têm onde deixar seus filhos para trabalhar. Segundo o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), em novembro do ano passado, 1.495 creches tiveram obras canceladas.
Iniciado em 2007 pelo governo federal e conduzido pelo fundo, o programa Proinfância (Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos da Rede Escolar Pública de Educação Infantil) prevê assistência técnica e financeira aos municípios para a construção da infraestrutura educacional.
O FNDE afirmou que o cancelamento dessas obras ao final do governo Michel Temer (MDB) atendeu a uma resolução de 2017, expedida pelo Comitê Gestor do PAC (Programa de Aceleração do
Crescimento), “que dispõe sobre a necessidade de cancelamento dos empreendimentos que não tiverem sua execução iniciada”. De acordo com a entidade, atualmente o programa tem 4.050 creches concluídas e 2.096 com obras em andamento.
“Tem gente que anda 5 km para trazer os filhos”
Uma das creches canceladas foi justamente no Novo Jardim, onde Edivânia não encontrou vaga. “Eu tive de largar uma das diárias que fazia porque não dava para levar a minha filha menor, nem ia deixar ela só com a outra filha [de 10 anos]. Preciso muito de uma creche”, conta.
Segundo a Associação de Moradores do Novo Jardim, na comunidade há apenas uma creche pública, e muitas mães acabam vindo de longe tentar vaga. “Tem gente que anda 5 km para trazer os filhos, temos muita reclamação das mães”, diz. “Além disso, na creche aqui há muitos problemas de falta de estrutura, faltam professores.”
Já as mães que têm emprego com carteira assinada acabam pagando creches particulares por falta de
unidades públicas. Juliana dos Santos, 26, é empregada doméstica no bairro da Serraria, também em
Maceió, e diz que não achou uma creche pública para a filha de três anos. “Pago R$ 180, pesa muito para mim, mas não tem outra alternativa”, afirma.
Só 1 a cada 5 obras é entregue
Um relatório de maio feito pela ONG Transparência Brasil revela um quadro preocupante na execução do Proinfância. Desde junho de 2017, quando começou a fazer o levantamento, a entidade acompanha um total de 135 obras do Proinfância nos municípios participantes. Desse total, 55 foram canceladas em novembro. “O panorama das obras monitoradas revela a baixa eficácia do programa nas localidades analisadas, com menos de uma em cada cinco obras previstas tendo sido entregue no período observado”, aponta.
Das obras monitoradas, diz o relatório, 43% (o equivalente a 58) nunca chegou a ser iniciada e só uma em cada cinco foi concluída no prazo. “A grande maioria dessas obras foi cancelada no final de 2018. Em âmbito nacional, a parcela de obras pactuadas e canceladas chega a 16%”, afirma a instituição. “As obras do Proinfância são, na melhor das hipóteses, entregues com alguns meses de atraso. Na pior, são iniciadas e abandonadas por anos a fio, sem perspectiva de retomada e gerando desperdício de recursos públicos”, avalia.
Outro lado
Sobre o estudo da Transparência Brasil, o FNDE disse que não tinha tido acesso ao levantamento, mas, questionado pela reportagem, explicou que “os problemas que levam as obras do Proinfância a não cumprirem o cronograma e a não serem concluídas no prazo são vários, tais como abandono da empresa, descumprimento de contrato, falta de pagamento à construtora, falha na execução de serviços e irregularidades na gestão anterior, que acabam ocasionando a rescisão contratual e a necessidade de relicitar os serviços remanescentes”.
Para a construção de escolas ou creches com recursos do FNDE, o órgão explica que a contratação da
construtora e a gestão das obras são atribuições dos governos locais. “Ao FNDE cabe o acompanhamento dos trabalhos via Sistema de Monitoramento, Execução e Controle (Simec) e a liberação gradual dos recursos, que são transferidos para o respectivo governo à medida que a obra avança”, explica.
Sobre a liberação de recursos, o órgão disse que o pagamento das parcelas depende da evolução física
da obra. Também procurada para comentar, a Prefeitura de Maceió informou que teve cinco creches canceladas no final do ano passado e reconheceu que ainda faltam vagas para crianças em creches.
Entretanto, diz que, nos últimos sete anos, foram 14 creches construídas, além de outros espaços
adaptados. “Todos os investimentos estão sendo feitos para ampliar a quantidade de vagas nas creches em Maceió”, informou a Secretaria Municipal de Educação.
Sobre a falta de verbas federais, a secretaria informou que o prefeito Rui Palmeira (PSDB) já foi algumas vezes a Brasília juntamente com a secretária Ana Dayse Dória para reivindicar mais recursos.
do UOL