Uma atleta sul-americana, com poucos recursos financeiros, que trocou a valsa pelo samba no baile dos campeões e precisou comprar um vestido de última hora para ir à festa. Parece informalidade demais para o All England Lawn Tennis and Croquet Club, sede do evento, mas foi o início de uma relação marcante.
Morta em junho do ano passado, aos 78 anos, a brasileira ganhou 8 dos seus 19 títulos de Grand Slam na grama inglesa, números que fizeram com que ela virasse uma das campeãs mais reverenciadas de Wimbledon.
No dia 4 de julho de 1959, ao derrotar a americana Darlene Hard por 2 sets a 0 (parciais de 6/4 e 6/3), Maria Esther tornou-se a primeira brasileira a conquistar um Slam na chave profissional de simples —feito que até hoje só Guga viria a repetir, com seu tricampeonato em Roland Garros (1997, 2000 e 2001).
Um ano antes, pouco tempo depois da sua entrada no circuito profissional, ela já havia triunfado na chave de duplas de Wimbledon, ao lado da americana Althea Gibson, primeira jogadora negra a vencer torneios desse nível.
Se levantar troféus contra algumas das melhores atletas da história não era tarefa fácil para a paulistana, o mesmo podia se dizer sobre ter o material de jogo adequado e dinheiro para bancar as viagens.
A ex-tenista Amélia Cury, 91, conheceu Estherzinha quando ela tinha 6 anos e brincava em um paredão do Clube de Regatas Tietê, em São Paulo, com uma tábua de madeira que fazia as vezes de raquete.
Amélia, 12 anos mais velha, conta que conseguia superar a futura campeã até ela atingir 14 anos. “Mas o talento era tão grande que depois ela deslanchou”, relembra. “Ela precisava ir para fora do país para progredir, mas como? Os pais eram pobres, ela só tinha uma raquete e roupas que mal cabiam”.
Para a ex-colega de clube, que também era costureira e ajudou a ajustar algumas das vestimentas de Maria Esther antes das primeiras viagens internacionais, o talento não teria se transformado em títulos sem o apoio dos amigos que a acompanharam no início.
Foram eles que organizaram vaquinhas para que ela pudesse comprar mais raquetes. Já o jornal O Estado de S. Paulo patrocinou as incursões da atleta ao exterior na época.
Maria Esther chegou a Wimbledon como sexta favorita da chave feminina em 1959. Darlene Hard, sua oponente na decisão, era a quarta. Mas o jogo, conforme noticiou a Folha da Manhã na sua edição de 5 de julho, não teve o equilíbrio esperado.
“A brasileira jogou magnificamente e sua superioridade nunca foi posta em dúvida. […] A brasileira assombrou todo mundo servindo ‘aces’ (primeira bola do saque, violenta e indefensável) que a norte-americana, também renomada por seu poderio de ‘serviço’ e de ataque, nem pôde tocar”, relatou
a reportagem da agência AFP publicada no jornal.
O título do texto na edição daquele domingo dizia que o mundo se curvava mais uma vez ante a força do esporte brasileiro. Isso porque o feito no tênis veio na sequência dos primeiros Mundiais das seleções masculinas de futebol (1958) e basquete (1959).
Se Maria Esther estava pronta para vencer, o mesmo não podia se dizer sobre sua preparação para a festa de gala. Por isso, ela precisou comprar às pressas um vestido numa das poucas lojas abertas em Londres na tarde de sábado.
Já Darlene Hard, segundo contou a brasileira à Folha da Manhã, “estava certa de que ia ganhar” e foi ao baile com “um vestido espetacular, que três pessoas precisavam segurar, e com luvas acima do cotovelo”. A segunda quebra de protocolo veio na sequência, quando ela e o campeão masculino daquele ano, o peruano Alex Olmedo, ignoraram a tradição de que o baile deve se iniciar com uma valsa.
“Nós, ante o espanto dos ingleses, muito circunspectos, começamos com um samba, que depois passou para o cha-cha-cha”, ela relatou ao jornal. “Eles se espantaram, mas depois bateram palmas para acompanhar o ritmo”. Maria Esther só retornaria ao Brasil no dia 10 de julho. Antes de ser recebida
no Rio de Janeiro pelo presidente Juscelino Kubitschek, que a entregou a Medalha do Mérito Desportivo, e de participar de cortejo em São Paulo, ela ainda passou por um susto no avião.
Da Folha de São Paulo