Uma parcela de 7% dos brasileiros acredita que o formato da Terra é plano, aponta uma pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha no início deste mês.
O levantamento contou com 2.086 entrevistados maiores de 16 anos em 103 cidades pelo país e foi o primeiro a estimar quantos no país duvidam que o planeta seja esférico — cerca de 11 milhões de pessoas.
Declararam crer que a Terra seja redonda 90% dos entrevistados e o restante disse não saber sua forma. A crença de que a Terra é plana se revelou inversamente proporcional à escolaridade. Enquanto 10% das pessoas que deixaram a escola após o ensino fundamental defendem o chamado terraplanismo, essa parcela diminui entre os que estudaram até concluir o ensino médio (6%) ou superior (3%).
Apesar de representarem minoria no Brasil, em termos absolutos é difícil classificar o grupo como pequeno, uma vez que a crença requer a negação de um dos princípios fundamentais da geografia, repetidamente confirmado por observações e experimentos por mais de dois milênios.
O número brasileiro, porém, está em linha com uma pesquisa feita no ano passado nos EUA, onde o movimento terraplanista ganhou impulso nos últimos anos. Apesar de a diferença de metodologia dificultar comparações, essa outra pesquisa, feita pela consultoria YouGov, concluiu que 2% dos americanos creem na Terra plana e 5% têm dúvidas sobre a esfericidade do planeta. Jovens abaixo de 25 anos eram duas vezes mais inclinados ao terraplanismo.
Na pesquisa do Datafolha, o recorte etário também revelou uma propensão ligeiramente maior à crença entre os jovens. Abaixo de 25 anos, 7% creem na Terra plana, e o número cai para 4% na faixa entre 35 e 44 anos. O terraplanismo é mais popular, porém, entre aqueles acima dos 60 anos — 11% adotam a crença.
Segundo a historiadora Marcia Bartusiak, do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), o conhecimento de que a Terra é esférica provavelmente remonta a discípulos de Pitágoras (séc. 6 a.C): a constatação surgiu de navegadores vendo horizonte ocultar navios distantes.
Eratóstenes (séc. 3 a.C.) foi o primeiro a medir a circunferência da Terra com uma margem de erro aceitável — chegou a um valor entre 44.000 e 46.000 km (o número preciso conhecido hoje é 40.075 km).
Na época de Galileu (séc. 16 d.C.), a Terra esférica já era um consenso razoável entre filósofos naturais. Insistir hoje no oposto demanda o esforço de refutar evidências desde os gregos antigos até fotografias de astronautas, passando por Kepler, Newton e Einstein. Indiretamente, quase toda ciência deixa de fazer sentido se a Terra não for redonda.
A missão de provar que a Terra é plana, de qualquer modo, não intimida alguns terraplanistas como Danilo Wiener, desenvolvedor web de 43 anos, um dos coordenadores do movimento Terra Plana Brasil, para quem a Nasa não tem uma foto da Terra que seja real. Como hobby, ele costuma fazer experimentos de observação do oceano buscando mostrar que ele não possui curvatura.
“O que nós fazemos não é rejeitar evidências, é que as evidências que nos mostram são todas mentiras”, afirma. “Eu não posso questionar Einstein e Newton porque eu não sou um cientista? Por que não?”
No Brasil é difícil detectar quando o terraplanismo surgiu. Um fator que pode ter contribuído, na esteira da influência de terraplanistas dos EUA, é o alcance de grupos organizados em redes sociais.
O canal de Danilo Wiener no de YouTube, por exemplo, conseguiu 385 mil visualizações em pouco mais de um ano. Bruno Alves, outro nome influente do grupo, tem 88 mil inscritos. Afonso de Vasconcelos, caso único de um terraplanista com doutorado em geofísica pela USP, possui 259 mil seguidores em seu canal.
O astrofísico Marcelo Gleiser, professor do Dartmouth College, em New Hampshire (EUA) descreve como trágica a situação e classifica como ridícula a negação da forma esférica da Terra.
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“Isso mostra uma falha do sistema educacional brasileiro. Eu acho que algumas dessas pessoas que dizem que a Terra é plana na verdade não acham isso, e estão fazendo um movimento de ‘resistência’: eles acham que a ciência controla a vida deles, que a sociedade moderna é manipulada pelas empresas que controlam a tecnologia e se veem vitimados pela ciência. Então eles pegaram a coisa mais absurda possível, a ideia de a Terra ser plana, e usam isso para demonstrar insatisfação.”
A possibilidade de que a motivação de terraplanistas não seja apenas a de provar teorias foi explorada pelo documentário “Behind The Curve”, da Netflix. O filme retrata a vida de quase celebridade de alguns líderes do movimento, como Mark Sargent, e suas conexões com outras crenças anticientíficas. Há negação do aquecimento global e forte ligação com o criacionismo, que nega a teoria da evolução de Darwin.
“A esmagadora maioria dos terraplanistas é criacionista”, endossa Wiener. “Somos frutos de uma Criação.”
O terraplanista brasileiro, porém, rejeita qualquer insinuação por parte de cientistas de que o movimento tenha motivações secundárias que não sejam provar a hipótese da Terra plana.
“A opinião deles é de que nós não sejamos sinceros?”, questiona ele. “Até onde eu conheço, o que eu vejo são pessoas sinceras buscando respostas para questionamentos.”
Da Folha