Se você não assistiu o Fantástico do último domingo (14) ou não ficou sabendo do ginecologista que assediava, abusava e filmava suas pacientes dentro do consultório, é bom prestar atenção nessa história.
Mais do que a náusea e o sentimento de total impotência e vulnerabilidade que todas nós sentimos, é importante saber que aquilo não é, nem de longe, um caso isolado.
O assédio e o abuso cometido por médicos ginecologistas e obstetras ganha um componente extra de crueldade, machismo e porque não dizer, psicopatia (se é que esse termo possa ser aplicado nesse contexto). O médico é um profissional que se exige um certo grau de confiança e comprometimento.
Uma consulta num ginecologista não é uma coisa comum. Ficamos nuas, expostas, vulneráveis, indefesas. Somos tocadas e manipuladas em nossa intimidade. Quando tudo dá certo, fica no mínimo uma sensação de desconforto.
O caso do médico e prefeito de Uruburetama, José Hilson Paiva, que pratica há décadas o crime de abuso sexual de suas pacientes, infelizmente não é um caso isolado.
Uma mulher foi assediada por um ginecologista numa Unidade Básica de Saúde, em São José do Rio Preto. Na zona norte do Rio de Janeiro, o ginecologista Silvio Pereira, de 75 anos, foi preso em flagrante acusado de estuprar uma paciente durante o atendimento. Em Vitória da Conquista, na Bahia, o ginecologista e obstetra Orcione Júnior é investigado pela polícia por assédio sexual a 24 pacientes. Já em Teresina, capital do Piauí, o ginecologista Felizardo Batista é acusado de abusar sexualmente de pacientes dentro da Maternidade Santa Fé.
Se você tiver tempo e estômago para fazer uma busca mais complexa, vai encontrar dezenas de casos. São situações de conhecimento de quem trabalha e pesquisa sobre saúde no Brasil.
Uma pesquisa da Universidade de Brasília (UnB) levantou o perfil do médico que comete assédio sexual nos consultórios do País. Na maioria dos casos, o agressor é ginecologista, homem, tem entre 50 e 59 anos e trabalha na rede privada de saúde. Ou seja, além de ser o perfil do profissional de saúde que mais comete esse tipo de crime, ele não escolhe classe social, todas estão à mercê.
Denunciar um médico por assédio e estupro é uma tarefa penosa. De um lado a vítima, do outro, um profissional que tem um status “superior” dentro da sociedade. E quando ocorre a denúncia, raramente o profissional recebe a punição devida.
O Conselho Regional de Medicina de São Paulo registrou 65 relatos envolvendo 50 profissionais. No entanto, nenhum desses profissionais teve seu registro cassado, e continuam clinicando normalmente. Embora o registro oficial possa parecer baixo em um universo de 143 mil profissionais que atuam no Estado, o número é considerado subnotificado por especialistas e pelo próprio órgão.
E fica mais uma cruel constatação do que é ser mulher: não estamos seguras nem no consultório médico.
Taty Valéria