Índio e gay: liderança indígena fala sobre o que é sofrer preconceito duplamente

By 15 de julho de 2019Fora do Armário
Rogério Macena, conhecido na Aldeia Paranapuã como Karaí Popyguá

“Já sofremos preconceito por sermos indígenas. Então imagina quando você também é gay. É sofrer um preconceito duplo”. Assim o jovem Rogério Macena, de 24 anos, que está começando a exercer a liderança de sua aldeia em São Vicente, no litoral de São Paulo, retrata o desafio de ser indígena e homossexual.

De acordo com ele, apesar da sociedade indígena já estar mais acostumada a lidar e tentar entender a comunidade LGBT, o preconceito ainda é muito presente dentro e fora das aldeias. “Eu nunca tive problemas em relação a minha família, sempre fui bem aceito. Mas existem vários LGBT’s nas aldeias que não se assumem por medo, insegurança ou vergonha”, diz.

Ele também relata que há muitos comentários preconceituosos ligados à reprodução sexual. De acordo com o jovem, é comum ouvir que gays ‘atrasam’ o desenvolvimento das comunidades indígenas por não gerarem filhos.

Segundo conta o indígena, mesmo diante do preconceito, ele está começando a exercer uma posição de liderança na aldeia em que vive e está sendo bem aceito pela população, inclusive pelo cacique. Esse é um dos seus novos desafios, do qual ele afirma que não desistirá mesmo com possíveis comentários homofóbicos.

Religião

Conhecido na Aldeia Paranapuã como Karaí Popyguá (nome indígena), o jovem relata que, atualmente, com a entrada recorrente das religiões evangélicas nas aldeias, os indígenas que não fazem parte do padrão ‘heteronormativo’ ganharam mais um obstáculo.

“Eles causaram um êxodo tremendo de indígenas LGBT, mais que a Igreja Católica inclusive, porque eles têm ensinado aos indígenas como ter preconceito”, afirma.

Além disso, ele relata que a homofobia presente na sociedade brasileira é outra dificuldade e que já ouviu muitos comentários preconceituosos. “Dentro da aldeia, já ouvi que sou anormal e fora dela já cheguei até a ouvir que sou possuído. Para os pajés, que são líderes espirituais, homossexuais não existiam anos atrás”, explica.

Como líder jovem, ele afirma lutar contra a retirada de direitos indígenas, principalmente contra ações políticas e religiosas que possam prejudicar o seu povo. “Ser líder é aprender a lutar e sofrer para garantir os direitos indígenas. É fazer de tudo pelo bem da sua comunidade e não é minha orientação sexual que vai me limitar de exercer isso, ao contrário”, diz.

Identidade

Conforme relata Rogério, ele identificou que era diferente dos outros meninos desde a infância. O indígena relata que já gostava de se caracterizar como menina, mas se assumiu gay apenas aos 13 anos.

“Quando eu digo me caracterizar, não me refiro as vestimentas e sim porque amava brincar de boneca e brincar com as meninas. Me sentia como elas. Sempre me visto como menino e não falo pra todos da aldeia que sou gay, por não saber como será a reação daquela pessoa”, conta.

Mas, o jovem acredita na importância de falar sobre o assunto, principalmente para quebrar preconceitos e barreiras sociais, defendendo a ideia de abordar mais o assunto dentro das aldeias. “Acho que as pessoas não sabem que ser gay não é um mérito de uma escolha. Simplesmente já somos assim”, finaliza.

do G1/Santos

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