O afastamento da prefeitura, a proibição do exercício da medicina e as investigações em andamento contra José Hilson de Paiva parecem não minimizar a tristeza sentida por Maria Margarida Barroso. “Tem 15 anos que eu tenho depressão”, atesta. Ainda que os casos de estupro tenham se tornado conhecidos nacionalmente, nada apagará a mancha deixada pelo médico na família da agricultora. A filha dela, ainda adolescente, foi uma das vítimas do “mão santa”, como Hilson era conhecido na cidade.
“Era Deus no céu e ele na terra. A minha família todinha era do lado dele”, lembra, ao se referir ao prestígio político e à influência social mantidos por Hilson em Uruburetama, município distante 114 km de Fortaleza. A filha de Margarida buscou atendimento no hospital da cidade a fim de tratar uma febre reumática. Ao fim do primeiro semestre de cuidados, a então menina tinha 16 anos tornou-se mais uma vítima dos abusos sexuais do médico.
Margarida lembra que a filha, que hoje mora em Brasília, relatou o estupro aos familiares e amigos próximos, mas ninguém acreditou. “Ele era um deus aqui. Não éramos nada em relação a ele”, afirma, ao reconhecer que duvidou das acusações. Mas a agricultora caiu em si quando um dos vídeos com cenas dos abusos cometidos por Hilson contra uma paciente circulou pela cidade. “Eu chorei tanto, fiquei com a consciência pesada, arrasada”.
Arrependida, a agricultora chegou a gravar e divulgar um vídeo relatando o arrependimento. “Foi um desabafo de mãe e avisando outras mães que não fizessem o mesmo que eu fiz, de não ter acreditado na minha filha”, detalha. Mas o mea-culpa causou a ira do então prefeito.
Margarida e outras mulheres que também divulgaram os casos de assédio foram processadas por calúnia e difamação. Em abril deste ano, a agricultora conta que foi intimida a uma audiência de conciliação em que ela e as vítimas, transformadas em acusadas, foram obrigadas a pedir desculpas a José Hilson.
Uma das presentes era a também agricultora Maria Elioneida, que buscou atendimento de Hilson há quatro anos. Em um consultório anexo à casa do médico, ela recorda com detalhes o “exame” feito pelo profissional. “Ele mandou eu relaxar e tirar a roupa. Pegou nos meu peitos e nas minhas partes íntimas”.
Elioneida conta que a mulher de Hilson, Maria das Graças Cordeiro Paiva, estava no local e deixou os dois a sós. A agricultora diz que estranhou o procedimento e questionou a conduta. Mas o médico normalizou o ato e continuou a inserir o dedo na vagina da paciente. Ela conta que ganhou de Hilson uma caixa de remédios e chegou a receber de volta o valor dos R$ 70 pago pela consulta. Mas não ficou por isso. Já prestes a sair, a agricultora conta que foi ameaçada.
“(Ele disse) ‘se você contar para alguém, não vai dar em nada, olha pra mim, olha pra tu (sic), tu é (sic) uma pobre e eu tenho condições de pagar um advogado e te colocar na cadeia e te processar'”, lembra. Com medo de uma retaliação, Elioneida não chegou a contar o abuso nem mesmo para o marido.
Em 2018, a agricultora criou coragem para denunciar o caso na delegacia de Itapipoca, município vizinho. O fato rendeu acusações de calúnia por parte dos moradores da cidade. Afetada pelos efeitos da depressão e ansiedade, ela retirou a denúncia durante a audiência de conciliação realizada em abril deste ano.
“Eu entro em um desespero de choro (quando lembro). Tem hora que dá vontade de me matar. Tenho medo de sair só porque ele (Hilson) tem dinheiro e os vereadores que apoiam ele são muito sem-vergonha e podem me perseguir”, desabafa.
Elioneida espera que, com a exposição dos casos, Hilson e a esposa venham a ser investigados e presos. “Eu peço só justiça, que ele vá para a cadeia junto da mulher dele. Que eu possa dormir sossegada (por saber) que tem justiça”.
Do O Povo