Natália Mauadie, uma história de superação |
A confeiteira Natália Mauadie, 24, do Rio de Janeiro, publicou uma imagem que se espalhou pelo Twitter, com mais de 17 mil compartilhamentos nas últimas semanas: um antes e depois do momento em que foi agredida pelo ex-namorado, em 2013, e de hoje.
Ela era menor de idade, estava grávida e teve os cabelos raspados pelo agressor, que publicou as imagens no Facebook.
Atualmente, ela recebe dezenas de mensagens de mulheres que se inspiram na história dela para entender o que estão passando e também buscar saídas de relacionamentos abusivos. Leia seu depoimento:
“Nós estávamos juntos há dois anos: ele tinha 24 anos e eu 17. Quando descobri que estava grávida, terminamos. Eu não queria aceitar o filho porque, nessa época, já apanhava muito. Voltamos quando tinha cinco meses de gestação. No dia que ele raspou minha cabeça, a briga durou mais ou menos o dia todo. Eu acordei primeiro e estava no computador, mexendo no Facebook. Uns 10 minutos depois, ele acordou. Veio por trás de mim, perguntando o que eu estava fazendo. ‘O que você está escondendo?’, dizia.
Não havia ficado com ninguém. Mas tinha ali conversas com amigas minhas e eu sabia que, se ele visse, ia ser pior para mim. Ele cismou em querer ler minhas conversas e dizia que, se visse alguma notificação suspeita, eu ‘iria ver’ o que aconteceria. Começou então a me enforcar para tentar ver as mensagens. Eu estava com um ‘barrigão’ já. Deixei ele ler o que quisesse na rede social. Só assim me soltou e se sentou em frente ao computador. Nesse momento, peguei a minha bicicleta e fugi. Me escondi em uma lan house e só então percebi que estava perdendo líquido. Fiquei com medo de entrar em trabalho de parto.
Nervosa, eu liguei para a minha irmã, mas não contei a ela exatamente o que estava acontecendo. Só que a minha irmã ligou justamente para o meu namorado. Não deu cinco minutos, ele apareceu de carro no lugar onde eu estava. E me arrastou dali pelos cabelos.
Como eu estava perdendo líquido, ele me levou para um hospital. Em nenhum momento disse o que faria comigo — e já tinha planejado tudo. Quando estávamos voltando, disse: ‘você não sabe o que te aguarda’ e me deu um chute. Comecei a chorar.
O carro passou na frente da casa da minha mãe, que descobri depois que estava me ligando, preocupada. Mas ele tirou a bateria do meu celular para que eu não atendesse ninguém.
Quando cheguei na casa dele, fui levada para o quarto. O espelho havia sido tirado da sala e colocado no quarto. Ao lado, tinha uma máquina de cortar cabelo. Ele fez com que eu sentasse na cama e perguntou calmamente se o filho era dele. Eu disse a verdade: meu filho é dele. Então me deu duas escolhas: raspar meus cabelos ou ‘ver o que iria fazer’.
Eu sabia que, se ele me desse o primeiro tapa, só pararia quando eu estivesse morta. Ele estava revoltado porque eu não estava chorando. E eu não chorei mesmo. Na verdade, estava com tanto medo de apanhar e perder meu filho, que não me importei com aquela violência. Quando saí do quarto, sem cabelo, a família dele viu e começou a chorar. Mas ele disse que era para ninguém se intrometer. Quando cheguei ao quintal, ele disse que iria tirar uma foto para postar no Facebook. E foi o que fez.
Eu queria ir para minha casa, mas ele me pegou pelo braço e me fez andar pelo bairro todo. Como tinha saído sangue, acho que as pessoas da vizinhança pensaram que ele tinha me batido. Andei por três ruas sem ninguém falar nada, até quando ele começou a raspar meu cabelo, me perguntava: ‘não vai chorar, vagabunda?’.
Até que apareceram três meninos para questioná-lo. Ele saiu correndo, um dos meninos me colocou em uma moto e me levou para casa. No post, escreveu que era isso que acontecia com mulher que mexe com homem de verdade. Nos comentários, tinha muita gente apoiando. Eu tinha um cabelo bem comprido e me falaram que ele ainda ficou na rua rodando os fios na mão e dizendo que estava à venda.
Minha irmã me levou para a delegacia da mulher e, quando cheguei, a imprensa estava lá. Passei mal de novo de tanto nervoso e voltei ao hospital. Lá estavam as mesmas médicas que me atenderam pela manhã. Elas choraram muito e me perguntaram porque eu não tinha falado nada. Depois voltei para dar meu depoimento. Ele fugiu e começou a me ligar. O meu celular foi grampeado pelos policiais. Nas ligações, me culpava dizendo ‘olha o que você fez com a minha vida’.
No quinto dia como foragido, se entregou. Estava muito magro e acabado. Vi no “Cidade Alerta”. Foi preso e um mês depois meu filho nasceu. Mesmo preso, continuou a me ligar. Aí, conseguiu me atingir no meu ponto fraco, meu filho. Ele o elogiava, dizia que era bonito e também me contava que orava todos os dias. Eu era ingênua e não tinha maturidade para entender que era fingimento. Caí novamente na lábia dele e o obedeci outra vez: mudei meu depoimento dizendo que eu que tinha pedido para ter meu cabelo raspado. Ele dizia que era o jeito para sair mais rápido da cadeia. Os promotores não acreditaram.
Seis meses depois, ele estava livre e fomos registrar meu filho. Nesse dia, ficou com o menino no colo o tempo todo. Disse que quando estivesse presente, só ele poderia carregar a criança. Não falou comigo, mas se ajoelhou na frente da minha mãe e pediu perdão. Ela perdoou. Uma semana depois, o chamei para ir à igreja.
Me afastei novamente e ele começou a namorar outra menina. Mesmo assim, me ameaçava dizendo que iria me esperar no ponto de ônibus. Minha mãe passou a me buscar todos os dias. Um dia, minha mãe não estava e ele me perseguiu e tentou me bater. Minha mãe apareceu, interveio e eu fugi.
Quando voltei para casa, minha mãe me contou que ele havia dito: ‘Vou entregar a cabeça dela para você’. Até hoje ninguém sabe explicar direito, mas era véspera da Natal de 2013 quando me disseram que encontraram o corpo dele em um município vizinho.
Na época em que tudo isso aconteceu, ninguém sabia o que era um relacionamento abusivo ou feminicídio. Minha família já me alertava depois do primeiro tapa, quando meu olho ficou roxo: me disseram que ele não mudaria.
Só hoje consigo entender que era manipulada pelo amor que sentia. Hoje, muitas mulheres entram em contato comigo pelo Facebook contando que estão passando pela mesma situação que passei. Se eu ganhasse na Mega Sena, a primeira coisa que faria seria abrir um abrigo para salvar todas essas
mulheres.
Não entendia exatamente o que estava sofrendo. Mas têm outras mulheres que sabem e não têm forças para denunciar. Não tenho vergonha de falar sobre isso e respondo tudo o que perguntam. Acho que minha parte é contar minha experiência. O principal é não voltar para quem agride. Quem agride não vai mudar.”
do site Universa