A maternidade é uma opção pessoal e não determina o comprometimento futuro da funcionária
Laura foi sempre mapeada como uma pessoa de alto-desempenho no mercado financeiro, era promovida e recebia ofertas de novos desafios e oportunidades de estudo. Até que fez trinta e poucos e casou. Começaram as perguntas sobre planos de maternidade e surgiram as desculpas de por que “aquele” momento não era certo para a promoção. Depois de 12 anos de trajetória meteórica na empresa, ela se sentiu estagnada e decidiu sair. Foi para uma multinacional para ocupar um cargo maior e seu salário aumentou significamente, além de melhorar a qualidade de vida por ter mais flexibilidade de horário e opção de home office. Um tempo depois teve um filho, exercitou vários papéis no mercado e atualmente ocupa cargo de executiva. O marido da Laura divide a responsabilidade do cuidado do filho e eles contam com a ajuda de uma babá e familiares.
A situação da Laura não é extraordinária. Hoje em dia é muito mais comum as mulheres valorizarem a carreira e os homens exercitarem papéis relevantes nos cuidados dos filhos. O mundo está rapidamente mudando, mas algumas empresas e gestores ainda não se adaptaram. Uma pesquisa recente da FGV, com 247 mil mulheres, aponta que 24 meses depois de tirar licença maternidade, metade delas saíram do mercado de trabalho — principalmente por iniciativa do empregador.
Um dia estava dando uma palestra sobre a liderança feminina nas empresas e uma participante se levantou e falou: “Umas das coisas mais chatas como uma mulher profissional é ter que responder várias perguntas pessoais como se tenho ou não filhos, quando pretendo tê-los, que horas tenho que buscá-los na creche, quem leva eles para o médico, etc,… Os homens não precisam responder sobre isso!” Começou uma discussão acalorada sobre o tema e comentei que nos Estados Unidos, é contra a lei perguntar essas coisas e idade da pessoa, porque isso é considerado discriminação.
Para minha surpresa, a executiva que estava sentada ao meu lado revirou os olhos como se fosse algo completamente absurdo e inadmissível. Acredito que ela nunca considerou que poderia ser diferente e por isso essa ideia a incomodou tanto.
Nesse momento, devem surgir várias perguntas na sua cabeça:
Nos EUA não existe discriminação sobre a maternidade?
Claro que existe, mas talvez menos que em alguns outros países sem essas restrições. Proibir esses tipos de perguntas traz dois benefícios: primeiro, reforça a objetividade na entrevista, forçando o gestor/a a focar em perguntas relacionadas à competência e à motivação da pessoa em desempenhar seu futuro papel. Segundo, isso explicita as regras do jogo e dá mais ferramentas legais para as vítimas de discriminação, caso aconteça. Aliás, isso nem sempre foi assim. Até a adoção da Lei dos Direitos Civis de 1964 nos EUA, empresas famosas como a Ford, General Electric e escolas públicas tinham políticas de demitir funcionárias mulheres após casarem. Somente depois de 1978 ficou proibido terminar o emprego por questões de gravidez.
Mas as mulheres engravidam e por isso não vão desempenhar seus papéis como os homens.
Isso pode ser até verdade em alguns casos, mas existem muitos casos contrários. Ironicamente, a primeira vez que trabalhei com uma equipe que era 50% feminina foi no Brasil. Uma parte significativa das mulheres deram à luz naquela época. Lembro com certa vergonha de participar de discussões com os colegas em que tentávamos adivinhar qual mulher não iria voltar porque o marido tinha melhorado sua condição financeira. Todas voltaram e todas continuaram a trabalhar com tanto vigor e compromisso quanto antes. Não poderia dizer o mesmo sobre alguns colegas homens. Olhando a estatística brasileira, isso não é tão surpreendente. As mulheres brasileiras têm mais anos de estudo, são maior parte dos formados no Brasil e são chefes de 40% das famílias.
Mas se não posso perguntar sobre a maternidade, como vou avaliar o compromisso da minha futura funcionária?
A mulher é um ser humano adulto, capaz de exercitar vários papéis, um deles sendo o de mãe. A maternidade é uma opção pessoal e não uma deficiência ou uma doença para ser mitigada. Quando se fala sobre desempenho profissional, eu realmente acredito que os resultados passados são indicações dos futuros. Explicar as demandas da vaga, perguntar sobre exemplos passados que destacam resultados e compromisso, solicitar ideias sobre como contribuir no novo desafio e pedir referências deveriam ser suficientes para o gestor/a para avaliar a compatibilidade com a vaga. Da mesma forma que ele/a faria com um candidato homem. Pode acontecer um erro na avaliação e a contratação não dar certo? Claro que sim. Assim como acontece com candidatos homens com frequência. Só que quando contratamos um funcionário homem com problema de desempenho, não generalizamos para todos os homens. Por que deveríamos fazer isso com as mulheres?
* Miriam Grobman ajuda líderes de empresas de grande porte e startups criar culturas mais eficazes e fortalecer suas lideranças femininas. Ela também desenvolve programas de liderança para mulheres de alto potencial. Miriam aplica dados para estimular novas formas de pensar e identificar vieses no ambiente de trabalho. Miriam possui um MBA da escola de negócios Wharton e mestrado em estudos internacionais da Universidade da Pensilvânia, além de graduações em ciência da computação e economia da Universidade de Texas em Austin. Antes de abrir sua consultoria, Miriam trabalhou em finanças e estratégia nos EUA, Brasil e Europa, atuando em setores diversos como mineração, tecnologia, cosméticos, e bancário.
da Revista Época Negócios