A asma e as alergias são problemas de saúde extremamente comuns nas crianças e responsáveis por grandes desconfortos por toda a vida. Em busca de uma maneira de combater essas enfermidades com mais eficácia, um grupo de cientistas americanos resolveu investigar as origens delas. Em estudo com recém-nascidos, a equipe identificou um composto produzido por bactérias intestinais que se mostrou forte influenciador do surgimento de ambas as complicações. Os especialistas acreditam que os novos dados poderão ajudar no combate a essas doenças.
Em estudos anteriores, os cientistas analisaram bebês com 1 mês de idade e observaram que aqueles com ecossistemas microbianos intestinais insalubres (não tão diversos) apresentavam maior risco de desenvolver asma na infância. A equipe também detectou que a molécula lipídica chamada 12,13-diHOME, liberada por bactérias, quando encontrada em altas concentrações nas fezes dos recém-nascidos, reduzia o número e a atividade de um grupo-chave de células imunes, as T reguladoras (Tregs). Segundo os especialistas, as Tregs normalmente suprimem a inflamação alérgica.
No estudo atual, publicado na revista Nature Microbiology, os cientistas injetaram 12,13-diHOME no intestino de camundongos, o que reduziu o número de células Treg nos pulmões dos animais, comprometendo funções das células imunológicas. Para entender de onde vinha esse lipídio pró-inflamatório, os pesquisadores estudaram os genes microbianos presentes nas amostras de fezes de 41 bebês de etnias diversas e com 1 mês de nascidos.
Nas análises, descobriram que o número de cópias de três genes de 12,13 DiHOME ou a concentração do próprio lipídio nas amostras de fezes dos bebês ajudou a prever quais as crianças desenvolveriam alergia aos 2 anos de idade ou asma aos 4. “Descobrimos um lipídio bacteriano específico no intestino neonatal que promove a disfunção imunológica associada à asma alérgica e pode ser usado para avaliar quais bebês estão em risco de desenvolver a doença na infância”, explica, em comunicado, Susan Lynch, uma das autoras do estudo e pesquisadora da Universidade da Califórnia.
Os pesquisadores enfatizam, no estudo, que a molécula 2,13-diHOME é provavelmente apenas um dos muitos produtos derivados de micro-organismos que contribuem para a disfunção imunológica precoce e a suscetibilidade à alergia infantil e à asma.
“Esse é provavelmente apenas um componente de uma complexa interação microbiana/sistema imune em crianças pequenas que promove o desenvolvimento de alergia e asma na infância. Mas é um primeiro passo para uma compreensão mais mecanicista do conjunto de produtos microbianos que aumentam essa suscetibilidade”, frisa Susan Lynch.
Reações em cascata
Bruno Acatauassu Paes Barreto, membro do Departamento Científico de Alergia na Infância e na Adolescência da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI), destaca que o estudo mostra dados relevantes sobre um tema que tem sido bastante explorado na área médica. “A microbiota tem sido associada a uma série de enfermidades, como a obesidade, doenças imunológicas e neurológicas. Vemos no estudo que, caso ela seja prejudicada na infância, isso repercutirá negativamente em relação a asma e alergias. A reação também foi associada à imunidade, ou seja, é uma cascata de eventos envolvidos”, diz.
Para o médico, os dados corroboram informações conhecidas e relacionadas a prejuízos na microbiota intestinal e a ocorrência dessas enfermidades. “Esse trabalho mostra uma relação que já é vista nos fatores de risco da doença que podem interferir no equilíbrio da microbiota. Nascer de um parto cesariana, o uso de antibióticos e a alimentação, tudo isso pode afetar a composição das bactérias do corpo e contribuir para enfermidades como a asma e as alergias”, explica.
Mesmo com a necessidade de mais análises sobre a relação do composto 12,13-diHOME com a asma e alergias, os autores do estudo acreditam que a pesquisa pode contribuir para melhores tratamentos das complicações. “Essa descoberta abre o caminho para intervenções no microbioma intestinal precoce, a fim de prevenir o desenvolvimento dessas doenças”, ressalta Lynch. “Embora esses achados precisem ser replicados em um grupo de estudo ainda maior, o fato das amostras analisadas terem sido recolhidas em populações demograficamente diferentes e em cidades distintas e, ainda assim, terem mostrado os mesmos resultados nos dá confiança de que a associação entre esse lipídio bacteriano e a asma infantil e o risco de alergia pode se generalizar, ou seja, se repetir para uma população mais ampla”, complementou a autora.
Para Bruno Barreto, o trabalho poderá gerar dados que contribuam para o tratamento da asma e da alergia, principalmente se mais fatores relacionados à microbiota humana, à asma e a alergias forem decifrados. “Acredito que a questão da identificação de marcadores que podem interferir nessa relação pode ser aprofundada, isso ainda não ficou bem claro. Vimos o poder desse elemento, o 12,13-diHOME, mas caso existam marcadores do bem, que tenham um efeito positivo sob a imunidade, eles seriam extremamente importantes na criação de estratégias de intervenção desenvolvidas para combater essas doenças”, explica.
Do Correio Braziliense