Um homem que passava-se por policial federal para enganar mulheres foi preso no final de julho, em São Paulo. Daniel Lopes da Silveira, 38 anos, natural de Novo Hamburgo, no Vale do Sinos, é apontado por, pelo menos, 10 vítimas como autor de estelionato.
Os casos, segundo a Polícia Federal (PF), ocorreram no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina, em São Paulo e no Paraná. O suspeito teve prisão preventiva decretada pela Justiça e segue no Presídio Central da Capital. Segundo a PF, em depoimento, ele confessou ter enganado as vítimas.
o estelionatário Daniel Lopes |
A investigação se iniciou em março deste ano com uma denúncia sobre a atuação de Silveira. Em alguns casos, conforme o delegado João Rocha, responsável pela Delegacia da Defesa Institucional da PF, o homem ameaçou vítimas para obter dinheiro ou então garantir o silêncio das pessoas com as quais se relacionava.
O homem se apresentava como integrante de um grupo tático da PF. A partir daí, mantinha relacionamentos afetivos com mulheres e prometia vantagens às companheiras, aos parentes e aos amigos das vítimas, como vistos norte-americanos, passaportes e mercadorias apreendidas por valores abaixo do mercado.
Confira duas histórias de vítimas desse criminoso
Patrícia*, 42 anos, educadora, do RS
“Conheci o Daniel em fevereiro de 2017, pelo Facebook. Fazia três meses que tinha me separado de um relacionamento de 10 anos. Disse que trabalhava com imóveis. Depois, veio dizendo que era da PF, mas estava afastado. Em março, foi morar comigo em Novo Hamburgo. No início, encantava com palavras e carinho. Era café na cama, rosas. Tudo lindo e maravilhoso.
Por abril do mesmo ano, disse que ia conseguir retornar à PF. Fui ouvindo as histórias e acreditando. Eu tinha um carro, um Onix. Faltavam três parcelas para quitar. Ele me levou em uma revenda e mostrou um carro de R$ 100 mil (DS5). A parcela era R$ 1,8 mil. Ele disse: ‘ganho bem, sou policial’. Pagou algumas parcelas e nunca mais. Ele usava meus cartões de crédito. Meu nome foi parar no SPC, Serasa. Ele se apresentava como policial federal. Sempre tinha desculpas quanto ao salário. O dinheiro não aparecia.
Conheci ele em fevereiro, a Alice* em junho e a Marina* em janeiro de 2018. Acredito que ele tirava dinheiro de uma e levava para a outra. Para minha mãe, ele pediu R$ 6 mil. Dei R$ 20 mil, mas ele precisava mais. Minha mãe, com 78 anos, tirou mais R$ 10 mil. Nunca pagou. Em outubro de 2018, ele disse: ‘tchau amor, eu volto às 22h para a gente dormir junto’. E nunca mais apareceu. Virou as costas e foi embora. Ficou tudo dele lá em casa. As roupas, calçados, até certidão de nascimento. Fiquei em depressão. Todo ano de 2018, tomando medicação. Depois que ele foi embora, emagreci 10 quilos.
Em novembro de 2018, ele me disse que estava detido na PF, mas não dizia o motivo. Fiquei com pena. Ele prometeu que no Natal ia sair: ‘Vou estar em casa. Pode esperar’. Chegou o dia, fiquei sozinha e fui dormir. E agora descobri que ele passou com outra o Natal e Ano Novo. Em maio (sete meses depois), cheguei e a porta da minha casa estava aberta. Ele estava lá. Pediu desculpas, disse que me amava, que queria voltar. Contou que era pai. Perguntou se eu aceitava a filha dele para a gente ser uma família. Me contou chorando. Mas não aceitei.
Hoje estou falida. Tinha meu nome limpo. Agora não consigo fazer empréstimo de uma agulha. Só consegui voltar a trabalhar em 2019. Isso é uma dor, uma cicatriz que a gente leva para o resto da vida. É uma história que tu vês de fora e pensa: ‘Como aquela mulher caiu nisso?’. Tenho graduação e pós. E fui ludibriada, enganada. Deixei de acreditar nas pessoas, queria deixar de viver.
Não moro mais na minha casa por medo dele. Me mudei, estou em outra cidade. Estou tentando me reerguer. Ainda tomo medicação, vou no psicólogo. Digo para as gurias: ‘vocês estão passando um luto que eu já passei’. Eu já sabia quem era o Daniel. Já chorei, já sofri tudo por ele. É o luto delas, o meu já fiz. Sei o que elas estão passando. Espero que apareçam mais mulheres. Tenho vontade de ajudar. A mulher tem vergonha de falar porque foi iludida. Se sente idiota, burra. Não podemos ficar quietas. Temos que dar força uma à outra.”
Alice*, 27 anos, servidora pública, de SC
“Nunca denunciei. Um pouco por medo, outro por ficar na expectativa de receber o dinheiro. Conheci o Daniel em junho 2017, pelo Instagram. Conversamos pela rede social. Ele veio para a gente se conhecer. Marcamos em local público. Era um cara super bacana. Em seguida conheceu minha família. Super querido, atencioso. Queria relacionamento sério. Dizia ser policial federal.
Tinha foto dele na rede social com a camisa com o emblema da PF. E todas as vezes estava armado. Sempre que vinha, estava armado, fardado. Meu filho (quatro anos na época) adorava ele. Sempre disse que queria ser soldado quando crescesse. E o Daniel contava as histórias para ele da profissão de policial. Ele ficava encantado.
Depois de um tempo ele veio com uma história. A gente estava voltando da praia. Uma corretora ligou dizendo que tinha arrumado negócio para o terreno dele em Gramado (Serra). Ele falou que precisaria levantar dinheiro para a documentação do terreno. Contou a história bem detalhada. Precisava de R$ 30 mil. Ele não pediu dinheiro para mim. Mas eu emprestei e a gente combinou que assim que negociasse, ele ia devolver valor e pagar juros.
Ele vinha todos os fins de semana. Passava dois ou três dias comigo. Com o tempo, acabei desconfiando. Procurei no Portal da Transparência e não encontrei o nome dele. Ele veio com a história de que era policial afastado, que estava respondendo processo administrativo. Disse que a venda do terreno ia deixar ele mais tranquilo. Passou um tempo, acabei terminando por outros motivos. Ele estava extremamente ciumento.
Desenvolvi ansiedade, labirintite. Tinha crise de desmaios do nada. Boa parte por conta da situação financeira. Ainda pago essa conta. Fiz empréstimo consignado, pago parcela de R$ 700. Tive medo de conhecer outra pessoa. Como confiar de novo?
Depois disso, fui cobrar e aí ele foi sumindo. Até que eu fui no RS para ver se achava a residência da mãe dele. E não encontrei. Parei num posto, vi uns policiais. Passei o CPF dele. Ele tinha na época várias ocorrências por estelionato. Aí que caiu a ficha. Depois de já ter terminado. Às vezes respondia por WhatsApp e dizia que ia pagar. ‘Vou depositar mês que vem’. Ele nunca dizia ‘não vou pagar’. Isso desencorajava a denúncia.
É diferente de uma pessoa que entra na tua casa e te assalta. Um ladrão não conheceu a tua família. Ele entra na tua cabeça. A gente acaba se sentindo usada. E pensa na exposição da família. Não denunciei boa parte por vergonha. Já estava me sentindo uma idiota. Fiquei bom tempo sem chegar perto de ninguém. Confiava 100% nele. Quando conhece alguém, não pensa que ele vai inventar uma vida que não existe.
Tinha crise de desmaios do nada. Boa parte por conta da situação financeira. Ainda pago essa conta. Fiz empréstimo consignado, pago parcela de R$ 700. Tive medo de conhecer outra pessoa. Como confiar de novo? Sempre fica a sombra. A desconfiança. Ainda não aceitei tudo isso. Fico indignada. Sempre me virei sozinha. Vem uma pessoa de fora e leva o que tu não tem. O que eu não tinha.
Por mais que ele tenha me ludibriado, permiti que isso acontecesse. A culpa foi dele, mas foi minha também. Vem isso na cabeça. Como não enxerguei isso antes? Uma das coisas que talvez faça entender um pouco é que ele era profissional. Uma mente brilhante. Quando fazia uma operação, contava todos os detalhes. Citava nome de colegas, atendia ligação de pessoas que não existiam. Era muito elaborado.”