Depois de um vôo São Paulo –Goiânia, 12 horas no ônibus até Canarana, percorri mais seis horas de carro e oito de barco até a aldeia Kaiabi, na Ilha Grande, Médio Xingu. Junto a mim, chegavam as representantes do Primeiro Encontro de Mulheres do Xingu, de dez das 16 aldeias que compõem o território – cada um com hábitos e língua diferentes. Durante cinco dias, elas discutiram estratégias para proteger a floresta e a escassez de recursos de saúde, formalizaram cargos e elegeram as defensoras do povo e do território xinguanos em Brasília. Também alertaram para a urgência de mais mulheres aprenderem o português – conhecimento restrito aos homens –, a independência financeira e a liberdade.
“As mulheres são vitais para o futuro do planeta, são quem protegem a nossa cultura e quem agora vão também proteger nossas terras!”, escreveram em seu manifesto. Pela primeira vez, a organização e a logística de um evento dos povos da região ficaram exclusivamente nas mãos das mulheres – para os homens, sobrou a cozinha. Desde sua criação, em 1961, o território do Xingu sofre ameaças. Nos últimos 20 anos, mais de 40% da mata no entorno das nascentes do Rio Xingu foi devastada pelo agronegócio. A saída dos cubanos no programa Mais Médicos e o corte de verbas da Secretaria Especial de Saúde Indígena, feitos em 2019 pelo governo federal, deixaram os indígenas desamparados. Só no último mês, três crianças kaiabi morreram.
Cacique da aldeia Kamayurá, liderança feminina muito respeitada por homens e mulheres, Mapulu também é pajé (líder espiritual que cuida das enfermidades da alma) e recebeu, em 2018, o prêmio de Direitos Humanos, fornecido pelo então Ministério dos Direitos Humanos, por sua articulação e empoderamento feminino entre as indígenas.
Ela é uma das organizadoras da tradicional festa Yamaricumã, celebração exclusiva das mulheres, na qual se transformam em guerreiras, e também da festa do Uluri, ritual de formação de uma liderança feminina. No ano passado, a festa foi dedicada a sua neta de mesmo nome – na ocasião, Mapulu fez a transmissão de poder, dando sua benção com cantos e rituais para que a menina seja a próxima cacique mulher da tribo Kamayurá.
Mapulu organizou este ano um encontro de pajés, rezadores, parteiras e raizeiros com médicos tradicionais. Ela acredita que os saberes indígenas podem ajudar a medicina e discorreu sobre doenças que podem ser cuidadas com a pajelança. Defensora da manutenção das terras indígenas, sabe que é da floresta que vem o alimento e o remédio de seu povo. “Esse encontro é importante para discutirmos nossas preocupações, mas também para conseguir apoio de todos índios e não índios. Sou cacique e pajé desde os 15 anos. Salvo vidas dentro da aldeia. Luto para manter minha cultura e transmiti-la a minha neta. Esse é meu papel.”
Da Marie Clarie