As histórias, vivências e transtornos de quem vive em um país sem mulheres no Parlamento

By 14 de agosto de 2019novembro 9th, 2020Especiais, Lute como uma garota


“Não é normal termos índices tão altos de violência contra as mulheres. Não é normal que não tenhamos mulheres no processo de tomada de decisão”, diz Yasmin Bjornum, militante da igualdade de gênero em Vanuatu.

O Parlamento de seu país – formado por 80 ilhas que se estendem por 1,3 mil quilômetros no sul do Oceano Pacífico – tem 52 membros. O que é incomum é que, atualmente, todos eles são homens.

Vanuatu é um dos três países no mundo que têm Parlamentos 100% masculinos. Os outros dois também são compostos por ilhas no Oceano Pacífico: os Estados Federados da Micronésia e Papua-Nova Guiné.

“Nossos problemas e nossas prioridades não estão representados no mais alto órgão de decisão”, diz Bjornum, que criou uma plataforma online chamada Sista, em 2016, com o objetivo de informar as mulheres do seu país e com a esperança de que outras se inspirassem e participassem.

As mulheres de Vanuatu que querem entrar na política enfrentam uma série de obstáculos, principalmente devido ao fato de que os conselhos tradicionais ainda desempenham importante papel na sociedade do país – particularmente nas áreas rurais, onde a maioria da população vive.

Esses conselhos são liderados por homens, conhecidos como chefes, e eles recomendam quem é selecionado para concorrer às vagas no Parlamento.

“Todos os partidos políticos [em Vanatu] são dirigidos por homens. Eles escolhem os candidatos, que são então eleitos (em votação nacional), e o Parlamento é apenas dominado por homens”, diz a ex-parlamentar Hilda Lini.

Lini foi a primeira mulher de Vanuatu a ser eleita para o Parlamento, em 1987. Ela atuou na Casa por um total de 11 anos, em três mandatos diferentes.

Hilda Lini é uma das apenas cinco mulheres que já ocuparam assento no Parlamento do país.

Ela diz que a falta de mulheres em cargos de tomada de decisão tem um impacto negativo no país: “Levou nove anos para que os homens adotassem a Lei de Proteção à Família de Vanuatu”, diz, sobre a legislação que lida com violência doméstica, que ainda não está implementada adequadamente.

Nesse cenário, as mulheres de Vanuatu agora estão trabalhando para acabar com as desigualdades sociais e econômicas entre os gêneros.

“Temos valores cristãos muito fortes. Os homens acreditam que são a cabeça da casa e que as mulheres são secundárias”, diz Bjornum. “Há muita retórica contra as mulheres no Parlamento”.

Em viagem à região, a reportagem da BBC constatou que é comum os homens ficarem com os ganhos das mulheres.

Segundo dados de 2017 do Banco Mundial, apenas 60% da população tem acesso a eletricidade, e um terço das crianças têm um crescimento prejudicado devido à desnutrição.

O Banco Mundial diz que a correção da desigualdade de gênero é vital para o crescimento do país.

Vanuatu tem uma população de cerca de 275 mil habitantes e uma alta taxa de violência contra mulheres.

“Uma em cada três meninas experimentou algum tipo de abuso sexual antes dos 15 anos de idade”, diz Bjornum. “60% da população da prisão está lá por cometer um crime sexual, e em 90% dos casos as vítimas eram conhecidas pelo agressor.”

De acordo com Bjornum, 98% dos casos de violência sexual não chegam aos tribunais. E quando chegam, são muitas vezes tratados com o que é conhecido no país como “reconciliação costumeira”: se o agressor oferece um presente (como porcos), a sentença é reduzida.

“Se você não apoiar a igualdade de gênero, o país nunca vai mudar. Mas a tradição é muito forte em Vanuatu”, diz Bjornum.

Meninas em roupas coloridas e saias de capim para dança tradicional: quando elas crescerem, poderão escolher um futuro diferente para Vanuatu
Mas pode haver mudanças no horizonte.

Um grupo de mulheres mais velhas está tentando mudar o status quo ao estabelecer o primeiro partido 100% feminino de Vanuatu: o Partido Democrático Leleon Vanua.

Liderado por Hilda Lini, o partido concorrerá às eleições gerais de 2020 e está fazendo campanha para que 50% das vagas no Parlamento sejam destinadas às mulheres.

“Devemos tentar implementar os direitos fundamentais na Constituição que permitirão que homens, mulheres e pessoas com deficiência participem”, diz ela.

O partido espera ter pelo menos seis mulheres concorrendo como candidatas.

No passado, as mulheres eram conhecidas por votar de acordo com as instruções de homens da família.

“Dizemos às mulheres que o voto é secreto. ‘A decisão é sua. Você não precisa contar ao seu marido ou a qualquer outra pessoa'”, diz Lini.

Clare Beckton, que faz parte do Programa Avançando a Liderança Feminina, na Carleton University em Ottawa, Canadá, diz que “se você exclui 50% da população no governo, isso significa que você não está tendo uma leitura correta de assunto algum”.

No entanto, apenas três países do mundo têm mais de 50% de mulheres no Parlamento, segundo dados da União Interparlamentar: Ruanda (61%), Cuba (53,2%) e Bolívia (53,1%).

O principal desafio de Vanuatu será superar os valores tradicionais – que relegaram as mulheres a um segundo plano.

Políticas de Vanuatu criaram seu próprio partido político, com Hilda Lini (à esquerda) como sua principal candidata
De acordo com observadores locais, mulheres de todas as idades indicaram que há apetite por mudanças na política e na sociedade, mas os mais velhos lideram a mudança.

“Elas são as que estão na posição certa para fazer isso. Elas se engajam com mulheres mais jovens”, diz Yasmin Bjornum. “Senhoras mais velhas na vanguarda do movimento de mulheres permitirão que os homens sejam mais receptivos”.

Lini está convencida de que “chegou a hora de mudar”. E defende: “50% do Parlamento deve ser de mulheres. As mulheres devem ter voz para fazer as leis do país”.

Esta reportagem foi adaptada do programa de rádio Business Daily da BBC, em inglês, e produzida por Vivienne Nunis e Sarah Treanor.7

Da BBC Brasil

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