O medo das mulheres andarem a pé atinge o Brasil e gera estudo sobre assédio

By 2 de setembro de 2019Machismo mata

O medo e a sensação de estar exposta, especialmente na rua, são sentimentos constantes na vida das mulheres. Um estudo, publicado em junho de 2019 por uma pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB), revela que na capital do país, assim como todas as grandes cidades, oferece uma “realidade hostil” para mulheres que precisam se deslocar a pé, independentemente do horário. A pesquisa, que faz um comparativo entre Lisboa e Brasília, leva em conta a opinião de 516 entrevistadas (233 na capital federal), que responderam a um questionário disponibilizado na internet durante dois meses.

O levantamento considerou três fatores: infraestrutura urbana, segurança pública e questões socioculturais. Para classificar as duas cidades, a pesquisa apresenta um índice de caminhabilidade dividido em cinco níveis: ausência de medo; medo leve; medo moderado; medo intenso; e medo extremo (pânico). A colocação de Brasília no terceiro nível deixa implícito um cenário em que mulheres sentem a necessidade de desenvolver estratégias para exercer o direito de se locomover a pé pelos espaços públicos, por exemplo, evitar certos tipos de roupas para não ser ver sujeita a situações de assédio na rua.

Autora da pesquisa — intitulada Mulher, uma força que caminha: um estudo de caso em Brasília e Lisboa —, a doutora em transportes pela UnB Adriana Souza explica que, de um modo geral, os municípios foram planejados e construídos de modo a perpetuar o sentimento de insegurança entre as mulheres. “A mulher não é vulnerável. Ela se torna vulnerável por uma série de fatores socioculturais que não a levam em conta durante o desenvolvimento da cidade”, avalia.

Adriana acrescenta que elas são constantemente coagidas e perseguidas quando andam pelas cidades em países diversos. Em relação ao caso da advogada Letícia Curado e da auxiliar de cozinha Genir Pereira, assassinadas após acreditarem que o cozinheiro Marinésio dos Santos Olinto era motorista de transporte pirata, a pesquisadora afirma que o problema não envolve apenas a falta de um serviço de transporte público eficiente. “É o fato de o homem ver a mulher como alguém inferior a ele e que ele pode controlar. Somos quase como corpos transeuntes que se deslocam pela cidade e não têm identidade”, critica.

Deslocamento

Quem passou por isso na pele tem dificuldades para esquecer a experiência. Estudante universitária, Fernanda Gyullia Araújo, 21 anos, relata que se sentiu constrangida quando foi assediada na rua. O autor dos insultos tinha o hábito de xingar a jovem sempre que ela passava pela mesma parada de ônibus. O assediador dizia palavras como “gostosa” e fazia referências sexuais quando ela passava. “Ele fazia questão de gritar para que todos ouvissem. E eu não conseguia olhar para trás, por vergonha. As pessoas me olhavam, mas ninguém fazia nada. A única reação que uma pessoa da parada teve foi dizer ‘Nossa, o que é isso, né?’”, conta Fernanda Gyullia.

78% das mulheres entrevistadas para a pesquisa de Adriana Sousa disseram sentir medo de se deslocar a pé. Em Lisboa, esse índice não chegou a 27% de dia. À noite, a taxa sobe para 82% na capital portuguesa. Em relação aos maiores medos delas, nas duas cidades, a falta de iluminação foi o item de maior destaque no universo da infraestrutura. Em relação à segurança pública, o medo de ser estuprada ficou em primeiro lugar. Quando questionadas sobre os itens de maior peso para mudar de caminho, a presença de homens desconhecidos ficou em primeiro lugar em Brasília e em Portugal.
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O fato de estudar durante a noite representa preocupação constante para Emanuelle Feitosa, 21. A universitária conta que não se sente protegida e lembra-se de ocasiões em que precisou correr bastante para conseguir pegar o ônibus no ponto, após a aula. “Peguei o coletivo das 23h e cheguei em casa meia-noite”, relata. Em uma dessas ocasiões, a jovem chegou a ser assediada na parada e no transporte. “Na parada, um homem falou obscenidades para mim. Não uso mais esse ponto. Um cara também passou a mão em mim dentro do ônibus. Eu o agredi. E o motorista não fez nada”, completa Emanuelle.

Insegurança

Entre as participantes do estudo publicado em junho, 53% das brasilienses entrevistadas afirmaram que usam transporte público para ir ao trabalho. Quando questionadas sobre as principais dificuldades encontradas no caminho até o ponto de ônibus ou à estação de metrô, 40,32% afirmaram que a segurança do trajeto é o item de maior importância. A porcentagem de mulheres que usam o transporte público em Brasília ao menos raramente é de 76,4%.

Estudante de um curso técnico, Gardênia Artemiza, 23, conta que voltava das aulas, por volta das 18h30, quando começou a ser seguida no caminho de casa. “O cara me perseguiu mesmo. Precisei correr até chegar em casa. Só tinha nós dois, e ele começou a correr atrás de mim. Foi bizarro”, recorda-se. Em relação ao serviço de transporte público, a moradora do Novo Gama (GO) relata que prefere não se arriscar com serviços piratas. No entanto, a escolha envolve consequências. “Prefiro faltar ao trabalho e ficar com falta na folha, do que pegar transporte irregular”, opina.

Do Correio Braziliense

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