Lírida morava em Campina Grande; Odete, em Bom Sucesso. Tâmara trabalhava em Patos, e Erivânia, em Cajazeiras.
Essas mulheres não se conheciam, mas além do fato de serem paraibanas, elas ainda carregam uma triste coincidência: em algum momento, decidiram que não queriam mais continuar vivendo.
A história delas entra numa estatística cruel da realidade brasileira: os suicídios responderam, em 2017, por 32% das mortes por fatores externos de mulheres em casa.
Conforme dados obtidos no Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde, em 2000, esse percentual era de 22%, e representava a terceira causa de morte no ranking. Hoje, os suicídio representam a causa principal.
O aumento de suicídios em casa vem na esteira do crescimento no número dos casos no país nos últimos anos – especialmente entre as mulheres.
Vale ressaltar que o suicídio entre mulheres ainda tem taxas bem inferiores à do sexo masculino no Brasil. Em 2017, exemplo, 9.826 homens se mataram, contra 2.664 casos do sexo feminino. Entretanto, entre elas, a taxa cresce mais rápido: de 2000 a 2017, entre eles houve um aumento de 82% dos casos, enquanto entre mulheres essa alta foi de 92%
Aumento crescente
Se a taxa de suicídios entre as brasileiras cresceu nos últimos anos, considerando apenas os suicídios cometidos em casa esse índice mais que dobrou: entre 2000 e 2017 a alta foi de em 112%.
Não só o percentual cresceu, como mudou o ranking de causa-morte feminina nos lares. Em 2000, os assassinatos eram a maior causa de mortes entre mulheres dentro de casa, com 1.004 casos no ano. Em segundo, as 904 mortes por lesões acidentais. Já o suicídio ficou na terceira posição, com 718 casos.
Em 2013, pela primeira vez, os suicídios passaram as mortes por lesões acidentais, mas ainda ficaram atrás dos homicídios. Mas em 2015 que, pela primeira vez, os suicídios tomaram a ponta -e se mantêm.
Em 2017, último ano de dados disponíveis do Ministério da Saúde, foram 1.589 mortes por lesões autoprovocadas, à frente dos 1.383 assassinatos e dos 1.340 acidentes. No mesmo ano, houve 28.577 mortes de mulheres por causas externas – 4.896 delas dentro de casa.
Há mais notificação, diz especialista
Mas por que as mortes em casa cresceram tanto?
A doutora em psicologia clínica pela PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio, Adriana Nunan, afirma que um dos motivos é o aumento nas notificações. “O assunto tem sido mais falado.
Antigamente, essas mortes poderiam ser atribuídas a acidentes domésticos, e agora está se notificando como suicídio”, aponta.
Uma pesquisa do Centro Nacional de Estatísticas de Saúde do governo americano afirmou que os suicídios aumentaram duas vezes mais rápido entre elas do que entre eles desde 2010, e apontou as rotinas femininas modernas como um dos fatores.
Adriana diz que a depressão pós-parto também é um fator que deve ser levado em conta no cenário social atual. “Apesar de se falar mais, isso não é reconhecido pela sociedade. São mulheres que, antigamente, tinham uma família grande em volta, que podia ajudar na criação. Hoje, ela vive mais afastada da família, muitas vezes não têm recursos para pagar empregada ou uma babá e fica muito sobrecarregada. Isso é um fator de risco muito importante, além dos fatores hormonais”, aponta.
A pesquisadora lembra que a taxa de suicídios entre mulheres é menor que a dos homens porque elas têm uma espécie de proteção social por sua criação. “Elas têm menos vergonha em dizer que precisam de ajuda, de parecerem fracas.
São educadas para falar sobre sentimentos, estão sempre conversando, contando segredos. É uma questão de criação”, diz.
Elas procuram mais ajuda
Para o psicólogo e especialista em educação em saúde e em rede de urgência Arnaldo Santos, além da mulher ter mais sensibilidade e se expressar mais, ela também procura mais os atendimentos psiquiátricos e psicológicos.
“Elas muitas vezes são vítimas do preconceito social, às vezes racismo, às vezes por pobreza, ou mesmo por ser muito bonita”, diz o profissional, que atua há 4 anos no CAV (Centro de Amor à Vida), que atende chamados de pessoas que possuem discurso suicida.
Um detalhe para o qual Santos chama a atenção é que a forma de tentar o suicídio é diferente dos homens, que em geral adotam mecanismos potencialmente mais letais.
A tentativa de suicídio mal sucedida muitas vezes não acaba com interesse. Neste ano, um caso em Maceió chamou a atenção. Uma universitária de 27 anos, que fazia tratamento contra depressão, tentou se matar em casa utilizando medicamentos, mas sobreviveu. Levada ao Hospital Geral do Estado, recebeu uma lavagem estomacal e em seguida teve alta. Ela então subiu ao andar mais alto do hospital e pulou.
“É preciso que a gente não só fale de suicídio mas escute também. Os especialistas ressaltam muito a importância de falar sobre suicídio, mas não está dando certo, estão aumentando os números. É preciso escutar as pessoas”, afirma Santos.
com informações do site Universa