Ana Fontes, 52, é uma empresária com um talento peculiar. O segredo para seu sucesso está justamente em seus erros — ou no que fez com eles. Eleita uma das 20 mulheres mais poderosas do Brasil em 2019 pela revista Forbes, ela hoje lidera três grandes projetos. Estão sob sua batuta as empresas Rede Mulher Empreendedora (RME) e a Aceleradora Herd, além do Instituto RME, que capacita para os negócios mulheres em situação de vulnerabilidade. A história de como chegou até aqui, porém, é marcada por muitos tropeços.
Ao longo da vida, a alagoana que se mudou ainda criança para São Paulo tentou empreender diversas vezes e em segmentos bastante distintos. É com bom humor que hoje conta, por exemplo, sobre a forma atrapalhada como tentava
incrementar a renda e pagar a faculdade, vendendo bolos e tortas para os colegas. “Eu morria de vergonha de abordar os outros. Só vendia porque meus amigos abriam os potes e ofereciam para as outras pessoas”, diz. Na mesma época,
abriu uma empresa de eventos com uma amiga. “Fizemos três festas e precisamos fechar o negócio. Dava tudo errado!”.
Formada em publicidade, seguiu carreira no mercado corporativo e foi vice-presidente da Volkswagen. Ao longo do percurso, se deparou com quase todo tipo de desafio que uma mulher nordestina de origem pobre pode enfrentar. Até
que a vontade de empreender veio à tona novamente. Grávida de nove meses de sua primeira filha, Ana foi promovida. A novidade, porém, imprimiu um ritmo de vida ainda mais pesado e incompatível com o modelo de família que ela
desejava.
Assim, reuniu uma dupla de amigos e montou dois negócios: um coworking e o Elogieaki, uma plataforma de avaliação on-line do serviço de empresas. Era o primeiro de uma série de erros que culminou no fechamento da empresa em
poucos anos. Ela revela que escolher os sócios por amizade já foi o primeiro erro.
O correto, ao criar uma sociedade, é procurar pessoas que tenham habilidades ou condições diferentes das suas, o que nem sempre acontece com amigos ou parentes. Além disso, pessoas muito próximas tendem a misturar questões pessoais com
trabalho.
Ana ainda elenca as outras falhas: deixar o modelo de negócio para segundo plano; gastar muito dinheiro e tempo com o espaço e a divulgação; misturar finanças pessoais com as da empresa.
Desistir, jamais Apesar dos sinais de que tudo ia mal, Ana estava determinada a acertar. Decidiu, então, procurar uma formação que a ajudasse e se inscreveu no programa 10.000 Mulheres, da FGV (Fundação Getulio Vargas) em parceria com o grupo financeiro Goldman Sachs, para capacitação de empreendedoras. Para sua surpresa, ela foi uma das 35 selecionadas entre 1.000 candidatas.
Já na primeira aula, a alagoana farejou algo de especial: a procura pela mentoria mostrava que havia um número grande de mulheres em situação como a dela. Por que não compartilhar com mais gente as experiências que teria ali? Assim
nasceu o que inicialmente foi o site Rede Mulher Empreendedora. Na plataforma, Ana escrevia sobre o que ela e as outras colegas de curso viviam, além dos erros e acertos do passado de cada uma. Em pouco tempo, reuniu mais de mil
seguidoras espontâneas.
Longa jornada
Por três anos, porém, a RME não foi um negócio. Era apenas um espaço de trocas, projeto pessoal que Ana tocava em paralelo com o trabalho e a vida em família. “Quando percebi que ali estava meu coração, desisti das outras áreas de
atuação e trabalhei para transformá-la em um modelo real de empreendedorismo”, conta. O empenho, aos poucos, deu certo.
Hoje a RME tem mais de 500 mil empreendedoras. Além de promover a troca de experiências, Ana presta mentoria para mulheres que estão começando ou querem melhorar seu negócio. Os serviços são gratuitos. Sua fonte de receita vem
da consultoria e criação de produtos para outras corporações a partir dos dados e do conhecimento que a rede tem sobre empreendedorismo feminino. A aceleradora Herd e o Instituto RME vieram depois. “Continuei e continuarei errando, mas hoje tenho a tranquilidade de que as falhas fazem parte do processo.”