O presidente da República, Jair Bolsonaro, comunicou ao Senado Federal que decidiu vetar, integralmente, o projeto de lei que obrigava os hospitais das redes de saúde pública e privada a notificar os casos suspeitos de violência contra a mulher à polícia em, no máximo, 24 horas. O governo justificou o veto à proposta “por contrariedade ao interesse público”.
Atualmente, a legislação determina a notificação obrigatória de casos de violência contra a mulher atendida em serviços de saúde públicos e privados. Pelo texto vetado, deveriam ser informados também os indícios. Ou seja, mesmo que a vítima não se manifestasse, o profissional de saúde teria a obrigação de comunicar o fato às autoridades policiais.
À princípio, o veto causou indignação. Mas vamos tentar deixar a emoção um pouco de lado e analisarmos a questão mais friamente.
Luciana Boiteux, pesquisadora e Professora Associada de Direito Penal e Criminologia da UFRJ, usou suas redes sociais para defender o veto presidencial. “Jamais imaginei que iria concordar com Bolsonaro e Damares, mas desta vez eles devem ter sido bem assessorados pela área de saúde”, afirmou.
De acordo com Luciana, “Quando uma mulher se consulta com o médico, não cabe a ele notificar a polícia, mas tão somente fazer o registro para fins epidemiológicos e para determinar o protocolo a ser seguido no atendimento”.
“Cabe a mulher registrar a ocorrência se ela assim desejar, devendo ser respeitada sua autonomia, liberdade e privacidade. Se ela não denunciar, não cabe à polícia bater a sua porta e obriga-la a falar sobre a violência que sofreu, o que ocorreria caso o PL tivesse sido aprovado”, afirmou Luciana em sua conta no Twitter.
E chegamos aqui à um ponto definitivo de reflexão: estariam as autoridades policiais preparadas para realizar esse tipo de abordagem?
Na justificativa enviada ao Senado, Bolsonaro afirmou que consultou os Ministérios da Saúde e da Mulher, da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Ambas se manifestaram a favor do veto integral. “A proposta contraria o interesse público ao determinar a identificação da vítima, mesmo sem o seu consentimento “, afirmaram as duas pastas.
“Isso vulnerabiliza ainda mais a mulher, tendo em vista que, nesses casos, o sigilo é fundamental para garantir o atendimento à saúde sem preocupações com futuras retaliações do agressor, especialmente quando ambos ainda habitam o mesmo lar ou ainda não romperam a relação de afeto ou dependência”.
Faz todo o sentido. E por isso mesmo custamos a acreditar que algo tão complexo tenha recebido esse olhar mais atento, sensível e apurado.
Taty Valéria