A trajetória de uma relação abusiva, o machismo travestido de “louca da história” e a importância de procurar ajuda

By 21 de outubro de 2019Machismo mata

“No começo era tudo maravilhoso. Ele trazia café na cama, me elogiava o tempo todo, fazia questão de conhecer minhas amigas e tratava todo mundo bem. Até que…”

Até que começaram os abusos psicológicos.

No início, parece que a mulher distorce fatos mais óbvios, por mais que lá no fundo saiba que não. Em um segundo momento, ela acha que está louca ou exagerando. Em seguida, tem plena certeza de que o homem ao seu lado tem razão de culpá-la, pois ela deve ter feito algo muito errado. A autoestima fica abalada, o ciclo perturbador se instala e a dependência é certa. Essa pequena descrição é chamada de gaslighting, um dos abusos psicológicos que é extremamente sutil e faz parte de uma relação abusiva.

“Isso é muito comum e se repete com frequência. O homem distorce, omite, cria novas informações e a vítima passa a duvidar da sua sanidade e memória. Ele a coloca como louca para pessoas ao redor e fala com tanta veemência que, mesmo que a mulher saiba que tem razão, acha que está maluca”, afirma a psicóloga Névia Rocha Pereira, especializada em atendimento à mulher.

Em longo prazo, diz a especialista, a mulher pode se tornar insegura e ter sua confiança e amor-próprio abalados, ficando cada vez mais dependente do seu abusador.

Foi exatamente o que aconteceu com Débora*, de Campina Grande. “Ele era simpático, todos os meus amigos e minha família gostavam da presença dele. Mas ele me traía muito, o tempo todo. E por mais que eu visse as mensagens de outras mulheres, ele distorcia tudo e eu acabava como a louca da história”, afirma Débora, que demorou para se recuperar depois que terminou com a relação.

“Ainda passei três anos tentando fazer que desse certo, eu achava que a culpa era minha e me punia por isso. Engordei 17 quilos, tive queda de cabelo e isso piorava a situação, porque ele dizia que ninguém iria olhar pra mim novamente”. Quatro anos depois,  Débora faz mestrado e está solteira desde então.

“É muito difícil pra mim confiar em alguém novamente”.

Violência nem sempre começa com agressão física

Julia Paolucci Sampaio, gestora do núcleo biopsicossocial da ONG Hella, que presta informação, orientação e acolhimento às mulheres em situação de violência, avisa que uma relação violenta não começa com um soco. Pelo contrário. “Muitas vezes, o homem é carinhoso, amoroso e cuidadoso e aos poucos vai proporcionando o enfraquecimento da mulher ao dizer coisas como: você é burra, feia, ninguém vai te querer, só eu mesmo para te aguentar. Ou seja, o abuso psicológico faz com que ela perca a capacidade de acreditar em si mesma”, afirma.

Não é fácil sair de uma relação abusiva. Como o abusador inventa mentiras o tempo todo e joga a família e os amigos contra a mulher, ela se sente sozinha para pedir socorro. Para Julia Sampaio, da ONG Hella, um passo importante é duvidar do isolamento e se fazer perguntas como: “‘Por que minha amiga e família não prestam? Por que não posso usar determinada roupa? O corpo é meu e tenho direito sobre ele“.

Como buscar ajuda

Em João Pessoa, procure o Centro de Referência Da Mulher Ednalva Bezerra, que fica na avenida Afonso Campos. O contato é o  0800 283 3883.

Em Campina Grande, no Centro de Referência Da Mulher Fátima Lopes. Rua Pedro I, 558, no bairro São José, ou pelo número 3342 9129.

O Centro de Referência Intermunicipal de Atendimento às Mulheres do Cariri: Maria Eliane Pereira dos Anjos, fica no município de Sumé e atende 18 municípios da região do cariri. Fica na Rua Hugo Santa Cruz, 394 – Várzea Redonda – Sumé. Contato 3353-2131

Da redação, com Universa

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