Na última semana, a equipe do Paraíba Feminina tomou conhecimento do alarmante número de casos de crianças e adolescentes, alunos de uma escola pública no município de Patos, com quadros graves de depressão e tentativas de suicídio. Na ocasião, a equipe pedagógica da escola nos informou que esses alunos, na medida do possível, são acompanhados por equipes multidisciplinares.
O exemplo de Patos, sertão paraibano, é só mais um diante de um problema que tem despertado preocupação nos profissionais de saúde: o aumento do número de internações de crianças e adolescentes por quadros de depressão grave.
Entre crianças de 10 e 14 anos, a taxa passou de 14 para 19 por 100 mil (36% de aumento). Na faixa etária dos 15-19 anos, foi de 75 para 85 por 100 mil no mesmo período (alta de 12%).
Os dados são do Ministério da Saúde e foram extraídos de levantamento da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatra) sobre internações psiquiátricas infantojuvenis.
Nos primeiros anos, porém, o sistema de notificação estava em processo de consolidação, o que pode comprometer a análise.
Para os especialistas, o problema é complexo e não pode ser explicado por um só fator. Uma hipótese é de que as tentativas de suicídio, que invariavelmente demandam internações, possam estar impulsionando esse aumento.
Entre 2013 e 2017 (os dados de 2018 não estão consolidados, mas apontam aumento), o crescimento das notificações de tentativas de suicídio entre crianças de 10 a 14 anos foi de 225% (de 1.719 casos para 5.596). Entre 15 e 19 anos, de 192% (de 4.605 para 13.443 casos).
Em nota, o Ministério da Saúde diz que, apesar do crescimento registrado, do ponto de vista epidemiológico não dá para dizer que há uma tendência de aumento (seria necessária uma série histórica maior para tal).
O ministério afirma que tem buscado atuar na prevenção da saúde mental, atendendo precocemente adolescentes nos serviços de saúde da atenção primária ou mesmo na Rede de Atenção Psicossocial (Raps) para evitar a evolução para quadros mais graves e que precisem de internação.
A rede privada não possui dados de internações psiquiátricas por faixa etária, mas a percepção de profissionais é de que também haja uma escalada. Entre outras hipóteses para o crescimento estão o aumento do diagnóstico, mais encaminhamentos para internação e uma eventual alta real da prevalência.
“Há um problema social que está se refletindo na saúde mental dos adolescentes. O mesmo ocorre em outros países. As redes sociais têm influenciado muito no comportamento”, diz a médica Fátima Marinho, do Instituto de Estudos Avançados da USP.
Para ela, que foi responsável pelos sistemas de informação do ministério até 2018, o aumento de internações, das tentativas de suicídio e de suicídios são sinais de alertas.
Segundo dados da OMS (Organização Mundial de Saúde) a taxa de suicídios aumentou 7% no Brasil, ao contrário do índice mundial, que caiu 9,8%, nos últimos sete anos.
Entre jovens de 15 a 19 anos, é segunda causa de morte entre as meninas (após as maternas) e terceira em meninos (após acidentes de trânsito e violência interpessoal).
Depressão materna, história familiar de depressão ou de tentativa de suicídio e estresse tóxico (crianças que sofrem abusos ou mesmo negligência afetiva) estão entre os fatores que podem desencadear esses transtornos.
Outro fator que tem levado a mais internações é a exposição precoce ao uso de substâncias psicoativas (como a maconha) e ao álcool. Na faixa etária entre 10 e 14 anos, as internações no SUS por essas causas em nove anos passaram de 510 para 717, salto de 41%. O uso de álcool teve
aumento semelhante, de 58 para 81 (40%).
O que está ocorrendo com nossas crianças e adolescentes? A resposta, apesar de complexa, pode estar bem perto. Mães e pais sobrecarregados, jornadas extenuantes de trabalho, cansaço físico e mental.
Para a grande maioria, especialmente das mães, as triplas jornadas de trabalho inviabilizam um acompanhamento digno aos filhos. Adultos que não conseguem cuidar da própria saúde mental são incapazes de cuidar de quem estar ao redor, e não estamos falando de negligência, a questão é puramente matemática: entre parar para conversar, ouvir, interagir, e fazer o jantar, lavar a farda e deixar o almoço do outro dia pronto, adivinha qual é a prioridade?
Sobra culpa e sobrecarga. E as crianças acabam pagando a conta.
da redação, com a Folha de São Paulo