Tondalao com os filhos, depois de sair da prisão |
Tondalao Hall tinha 19 anos, três filhos pequenos e vivia num relacionamento abusivo. Elas e os filhos eram vítimas constantes de violência doméstica. Negra, pobre e ignorante, Tondalalo só aceitava tudo aquilo e não tinha meios, força, apoio e coragem para sair daquele ciclo de violência.
Numa dessas agressões, Tondalao precisou levar os filhos ao hospital. Os médicos identificaram as marcas de violência e chamaram a polícia. Tondalao, que também estava machucada, foi detida junto com o companheiro, Robert Braxton. A alegação era de que Tondalao tinha sido omissa com os filhos.
As investigações determinaram que a não tinha agredido os filhos e que Braxton era o responsável pelos abusos físicos — dos quais ela também era vítima. Mas enquanto ele passou apenas dois anos na cadeia pelo crime, ela foi condenada a 30 anos de prisão por não ter protegido as crianças dos abusos do pai.
Isso mesmo.
No início do mês de novembro, os 35 anos, depois de 15 anos presa e de uma longa luta para conseguir sua libertação, Tondalao deixou a penitenciária onde cumpria pena, no Estado de Oklahoma, EUA, e pode finalmente se reunir com seus filhos.
“Me sinto abençoada por estar com a minha família”, ela disse a um grupo de repórteres na saída da prisão, enquanto abraçava os filhos e era cercada por familiares e amigos.
Em outubro, a Pardon and Parole Board (comissão de indultos e liberdade condicional) de Oklahoma decidiu por unanimidade comutar a pena de Hall. Na semana passada, o governador do Estado, Kevin Stitt, autorizou sua libertação.
Hall agradeceu aos filhos e familiares por permanecerem a seu lado durante todos esses anos.
Vítimas punidas pelos crimes dos agressores
A pena imposta a Hall, com base em uma lei que pune por “não proteger” os filhos, é comum em vários Estados americanos e é criticada por punir muitas vítimas de violência doméstica pelos crimes de seus agressores.
Segundo a advogada Megan Lambert, da ACLU Oklahoma (braço estadual da organização nacional de direitos civis União Americana pelas Liberdades Civis), que atuou pela libertação de Hall, a sentença média nesses casos costuma ser de 10 anos e meio, mas não é incomum encontrar penas bem maiores.
“Sabemos de um caso de sentença de 65 anos. Há até casos de prisão perpétua”, diz Lambert à BBC News Brasil.
A advogada afirma que somente em Oklahoma há pelo menos outros 14 casos em que a mulher, vítima de violência doméstica, recebeu sentença maior do que a do agressor.
“O caso de Hall é terrivelmente injusto, mas não é único. Há muitas outras mulheres que também foram abusadas por seus parceiros e agora estão presas por não terem conseguido deter os homens que as agrediam”, observa.
Lambert ressalta que, além de separar famílias e criminalizar mulheres por crimes cometidos por seus agressores, esse tipo de lei cria uma barreira para que as vítimas de violência doméstica consigam sair de relacionamentos abusivos.
“As mulheres temem que, se denunciarem a agressão, em vez de receber apoio para sair dessa situação, serão punidas criminalmente e separadas de seus filhos”, salienta Lambert.
Abusos e sentenças
Hall tinha 16 anos quando teve o primeiro filho com Braxton e foi morar com ele. Ela já tinha um filho de um relacionamento anterior.
Segundo depoimento de Hall ao tribunal durante o julgamento, Braxton era violento, e as agressões verbais e físicas eram constantes e incluíam socos e estrangulamento, além de ameaças de separá-la dos filhos caso ela tentasse abandonar o relacionamento.
Cada vez mais isolada de amigos e familiares, Hall já estava buscando uma maneira segura de deixar Braxton quando, em 2004, depois que o filho de um ano e meio de idade apresentou inchaço nas pernas, ela levou as crianças ao hospital.
Os médicos descobriram que o menino e a filha mais nova do casal, de três meses de idade, tinham fraturas no fêmur e nas costelas.
De acordo com as autoridades, Hall não estava presente quando Braxton agrediu as crianças, mas suspeitava dos abusos.
Ambos foram detidos, e Braxton foi acusado de abuso infantil. Depois de dois anos preso aguardando julgamento, em 2006 ele negociou um acordo em que se declarou culpado e foi sentenciado ao tempo de prisão já cumprido e oito anos de liberdade condicional. Foi libertado no mesmo dia.
Hall não tinha antecedentes criminais e não tinha abusado dos filhos. Mas as autoridades a acusaram de não ter protegido as crianças dos abusos do pai e não ter denunciado as agressões de Braxton contra os filhos a tempo.
O mesmo juiz que determinou a pena de Braxton sentenciou Hall a 30 anos de prisão — uma sentença muito mais severa do que a recebida pelo agressor.
Planos para o futuro
Hall teve pedidos de apelação e de comutação da pena negados anteriormente. Desta vez, a comutação foi recomendada por unanimidade e recebeu o apoio do procurador local.
Sua libertação ocorre em um momento em que o Estado de Oklahoma vem buscando reduzir a superlotação de suas prisões. Dias antes, 460 mulheres que haviam sido condenadas por posse de drogas ou outros crimes sem violência tiveram sentenças comutadas e deixaram a prisão.
Segundo a ACLU, os filhos de Hall mantiveram contato com a mãe durante todo o tempo em que ela esteve presa e tiveram papel importante nos esforços por sua libertação.
O mais velho tem hoje 19 anos de idade. Os dois filhos com Braxton têm 17 e 15 anos de idade e passaram o dia com Hall após a saída da prisão. Os três foram criados por familiares enquanto a mãe estava presa.
“As crianças e eu estamos extremamente felizes em termos Toni (como Hall é chamada) de volta”, disse sua prima, Cynthia Wells, que tem a custódia dos filhos de Hall.
Lambert diz que Hall estudou cosmetologia enquanto estava presa e está empolgada para trabalhar na nova profissão. Hall também disse a repórteres na saída da prisão que pretende trabalhar para ajudar outras mulheres presas. Mas, por enquanto, seu único plano é ficar com os filhos.
da redação, com informações da BBC