Nos últimos anos, o sociólogo Domenico De Masi vem se dedicando a estudar os impasses da sociedade pós-industrial. O italiano reúne agora os seus insights sobre o assunto no recém-lançado “O mundo ainda é jovem”. O livro é composto por uma série de entrevistas com a jornalista Maria Serena Palieri, em que De Masi pensa sobre os rumos do mundo contemporâneo.
Aos 81 anos, o intelectual testemunhou diversas transições sociais, culturais e tecnológicas. A atual, acredita ele, é marcada pela desorientação e a falta de modelos. Tendo como ponto de partida as mudanças que afetam nossas vidas, De Masi aborda tópicos como felicidade, gênero, trabalho e longevidade, entre outros, sempre com um olhar otimista sobre o que vem por aí. Conhecido pelo best-seller “O Ócio Criativo” (2000), o autor é categórico ao dizer que, embora longe de ser ideal, este é a melhor das época que já existiu para se viver.
Mesmo com toda as crises do mundo, o senhor prefere ver o copo metade cheio. Por que?
O mundo atual é o melhor dos mundos que podemos imaginar e desejar, mas é certamente o melhor dos mundos que existiam até agora. Mesmo assim, continua sendo um mundo desigual. Hoje, uma vaca leiteira na Europa recebe um subsídio de US $ 913, enquanto um morador da África Subsaariana recebe US $ 8. Além de ser desigual no espaço, o mundo também é desigual no tempo: você pode ser mais feliz hoje, mais infeliz amanhã, feliz novamente depois amanhã.
No Brasil, entre 2018 a 2019, o índice de felicidade, medido pela ONU, caiu dez pontos…
A felicidade depende de muitos fatores: não apenas econômicos, políticos e sociais, mas também subjetivos. O Brasil está deslizando dia a dia de um país democrático para um país autoritário. Bolsonaro recebeu 49 milhões de votos, enquanto 57 milhões brasileiros não votaram. Portanto, pelo menos 57 milhões são menos felizes quando o país se encaminha para o autoritarismo e o governo das forças armadas. O autoritarismo é principalmente triste em países como o Brasil, onde a cultura latina se inclina por sua natureza à felicidade.
Chile e Bolívia vivem uma onda de protestos, apesar de bons índices econômicos. Há um descompasso entre o que os tecnocratas veem como “progresso” e o real bem-estar das populações?
Aprendemos a produzir mais bens e mais serviços com menos trabalho humano, dando vida ao fenômeno que os sociólogos chamam de “crescimento sem emprego”, um desenvolvimento sem trabalho. Ao lado de riqueza, poder, conhecimento, oportunidades e salvaguardas são distribuídos injustamente. Esse é o motivo de tanta insatisfação, principalmente entre os jovens, não apenas no Chile, mas também em outros países. Os problemas tornaram-se tão globais e complexos que nenhum político, nem mesmo Júlio César ou Napoleão, seria capaz de resolvê-los. A gestão da sociedade pós-industrial requer um novo modelo de coexistência e equipes interdisciplinares treinadas para organizar a paz, não a guerra.
No livro, o senhor comenta que o principal fator de desorientação hoje é a falta de modelos. De onde tirá-los?
O Sacro Império Romano tinha como modelo o Evangelho; os estados islâmicos tinham o Alcorão; o estado liberal foi baseado nas ideias de Smith e Montesquieu. A sociedade pós-industrial não tem modelo. E, sem um modelo, é impossível definir o que é bom e o que é ruim; o que é verdadeiro e o que é falso. Como diz Sêneca, “nenhum vento é favorável para o marinheiro que não sabe para onde quer ir”. Quem teve que elaborar o modelo necessário? Os intelectuais. Eles são os verdadeiros culpados da desorientação pós-industrial.
A cultura e a arte seguem essa ideia?
A arte clássica tinha como meta a beleza equilibrada. A pós-moderna visa a novidade, a imperfeição, o inacabado, a colagem, o choque: numa palavra, a desorientação.
E isso reflete também nas comunicações?
Na sociedade pós-industrial, a versão imoral da comunicação consiste em usar a internet não para informar corretamente, mas para desorientar. São ações simétricas à cultura pós-moderna, que rejeita a distinção entre interno e externo, essência e aparência, latente e manifesto, autêntico e inautêntico, real e virtual.
O senhor diz que, em um futuro próximo, as mulheres estarão no centro do sistema social. Por que?
Em 2030, as mulheres viverão em média três anos a mais que os homens. Sessenta por cento dos estudantes universitários, 60% dos graduados e 60% dos titulares de mestrado serão mulheres. Muitas mulheres se casarão com um homem mais novo que elas. Por tudo isso, as mulheres estarão no centro do sistema social e serão tentadas a administrar seu poder com a dureza que deriva dos erros sofridos nos dez mil anos anteriores. Os valores “femininos” (estética, subjetividade, emoção, flexibilidade) também terão colonizado os homens. Fluidez sexual, pansexualidade e androginia se espalharão no estilo de vida.
O seu grande amigo Oscar Niemeyer dizia que o senhor é a pessoa mais feliz que ele conheceu. Qual é o seu segredo?
O segredo é ter amigos como Oscar Niemeyer. E seguir seu conselho que, mesmo sendo um grande arquiteto, me disse: “O que importa não é a arquitetura, mas a vida, os amigos e esse mundo injusto que temos que modificar”.