Maria Galindo, líder feminista boliviana |
À frente do coletivo Mujeres Creando, a boliviana María Galindo passou os últimos 13 anos criticando o governo de Evo Morales.
Uma das ativistas feministas mais importantes da América Latina, ela acusava o agora ex-presidente de ser sexista, devido a declarações de preconceito contra mulheres, e reclamava da falta de políticas públicas que reduzissem o índice de mortalidade materna da Bolívia —hoje o mais alto da região.
Galindo, porém, não comemorou a chegada de uma mulher à Presidência do país.
Em entrevista ao jornal “Folha de S.Paulo”, em La Paz, a ativista afirma que Jeanine Añez, que se declarou líder interina do país nesta terça (12), responde à “explosão de um anseio pelo fascismo e pelo racismo que cresceu na sociedade boliviana durante a gestão de Evo”.
Para Galindo, a autoproclamada presidente, que entrou na sede do governo boliviano com uma Bíblia na mão, “representa o retrocesso em termos de direitos da mulher”.
A ascensão da senadora de oposição, segundo a feminista, foi impulsionada por parte da sociedade boliviana que “sempre alimentou o racismo contra indígenas” e que tem “valores morais muito conservadores, contra os direitos da mulher”.
Esses dois aspectos teriam sido represados durante os anos dos governos de Evo devido à valorização do orgulho indígena, parte essencial do discurso do ex-presidente.
“Esses sentimentos agora afloram e se personificam numa mulher pouco culta, de carreira política sem protagonismo mesmo dentro da própria direita, mas com um discurso religioso que tem o poder de esconder o que de fato está por trás desse movimento, que são sentimentos muito negativos, como o preconceito e o sexismo.”
Galindo considera que a religião também é usada para “tirar o foco da política” e opina que o modo correto de encaminhar as decisões após a renúncia de Evo seria convocar comitês plurinacionais, incluir o MAS (Movimento ao Socialismo), partido de Evo, e dar claras mostras de que quer conciliar o país.
“Sua chegada ao poder e seus primeiros discursos, entretanto, indicam que ela entra no governo com seus valores e com seu grupo.”
Por outro lado, afirma acreditar que as eleições serão convocadas, mas que, até lá, o panorama social deve seguir muito instável.
Sem querer entrar no mérito do que está acontecendo na Bolívia – foi golpe, Galindo fala sobre uma questão que é constantemente pontuada: não basta ter mulheres no poder, é preciso que essas mulheres não perpetue os ideais machistas e conservadores.
De pouco, ou nada, adianta uma mulher num espaço de poder sem que ela defenda as pautas mais urgentes das mulheres: a luta contra a violência doméstica, do feminicídio, do estupro, melhorias no sistema de saúde, melhoria na qualidade de ensino e convivência de crianças e adolescentes, equidade de oportunidades no mercado de trabalho…
Na verdade, quando uma mulher reforça o conceito machista e violento, ela diminui ainda mais a força e a luta das mulheres por igualdade de gênero.