Márcia Marques |
Desde muito jovem eu tinha certeza de que queria ser jornalista. Na época dos meus 15/16 anos, menina pobre do interior da Paraíba, eu imaginava a vida de jornalista apenas a vida de repórter, não tinha uma visão macro da profissão. Mas eu sempre quis estar naquele espaço. Ao amadurecer, em idade e em ideais, eu sabia que podia usar o jornalismo para transformar o mundo, a realidade social, ao menos da qual eu estivesse inserida.
Mas ates de conseguir passar no vestibular da UEPB, antes de entrar no mercado de trabalho, eu era uma adolescente. E o que eu mais ouvia era: “Você poderia jogar basquete”, “você deveria entrar pro atletismo”… no imaginário das pessoas, por mais que elas não notassem, uma menina negra e pobre só poderia sonhar com este tipo de coisa. No esporte, os negros são reconhecidos ou respeitados (quando bem sucedidos, também tem isso). E eu falo estas coisas porque eu lembro que para minhas amigas, da mesma idade e estatura, eram ditas coisas diferentes, do tipo: “você vai ser uma médica linda”, “você pode ser advogada”. E eu? Não podia por quê? É claro que vocês sabem a resposta.
Mas, ao mesmo tempo, tive alguns professores que ouviram o meu sonho e me encorajaram. Socorro Nóbrega e Sérgio Rodrigues, professores de literatura, diziam que sim, eu podia. Meus pais me diziam que eu podia! Minha prima, que começou antes de mim, me mostrou que eu podia. Então eu fui!
Tentei o jornalismo esportivo mas, além do racismo, o machismo me impedia de seguir. Bati em algumas portas, entreguei alguns currículos… mas mulher e esporte? Não! Riram de mim, dos meus sonhos. E, desse, eu desisti. Não aguentava mais ouvir comentários do tipo “você sabe o que é um escanteio?”. Então, encontrei a assessoria de imprensa e me firmei na Diocese de Campina Grande.
Trabalhar para e na Igreja me mostrou que o racismo vai muito além de crenças. Meus chefes diretos nunca me questionaram além do óbvio! Dom Jaime, hoje Arcebispo de Natal, não só me acolheu, como me ensinou muito! Para ele eu era a profissional. Mas, ao nosso redor, vieram os questionamentos. “Ela é jornalista?”, “ela não tem aparência de uma assessora da Igreja”, “Dom Jaime deveria contratar alguém à altura do cargo”… E assim nós seguimos. Ele nunca deu ouvidos, eu fingi que não escutava e segui me especializando, trabalhando, dando o meu melhor.
Antes de vir para João Pessoa eu ainda passei pela TV Itararé. Sim, cheguei a ser repórter por dois anos. Por várias vezes eu ouvi relatos de pessoas dizendo: “minha filha adora te ver, porque o cabelo dela é igual ao seu!”. Gente… quantas vezes me emocionei! Quantas vezes lembrei de mim, criança, tendo Xuxa, Paquitas e tantas atrizes brancas que faziam sucesso e eu jamais conseguia ser igual a elas! Eu só lembrava de uma negra nua dançando no carnaval e as negras que faziam papel de empregadas nas novelas ou de escravas em novelas de época. Então eu consegui! Passei a ser a representatividade que tanto senti falta! E, amigos, ela importa muito!
Sigo, hoje, na Arquidiocese da Paraíba, onde tenho uma função de chefia no setor de comunicação. Já tive que lidar com olhares, insinuações e os mesmos questionamentos surgem, principalmente quando chego com o Arcebispo em lugares onde predomina uma elite (econômica) branca: “você ajuda ele, é?”, “você é a secretária dele?(leia-se empregada, a doméstica)”, “ela não parece ser sua assessora”, “ela não está à altura, não tem cara de assessora de um bispo”…
E assim a gente segue. Resistindo, se fazendo cada vez mais presente e forte. O racismo está longe de acabar, mas a cada criança que me olha como referência, a cada pessoa que deposita em mim sua confiança, a cada irmão que tem sua autoestima destruída, a cada negrx que tem sua capacidade questionada, a cada tiro de fuzil da polícia racista… a gente segue. E nós não vamos parar de lutar, de sonhar e de crescer.