Fundadora do Center for Women and Democracy (Centro para Mulheres e Democracia) e presidente do The Connections Group, em Seattle (EUA), a americana Cathy Allen aposta na geração de mulheres jovens para ampliar a participação feminina na política. Em visita ao Brasil, a especialista em eleger mulheres em 49 países defende que os partidos políticos melhorem o financiamento e o treinamento para ampliar a equidade de gênero.
“O que eu vejo é que muitas mulheres querem concorrer, mas os partidos precisam dar mais oportunidade para mulheres serem treinadas e terem suas candidaturas financiadas. Creio que há muitas oportunidades nas eleições de 2020, considerando que há tantas pessoas aqui que querem renovação política”, afirmou Allen em entrevista ao HuffPost Brasil.
As mulheres são 52% do eleitorado brasileiro, mas quando se mede a presença nos cargos de poder, os números são bem menores. Elas são 15% dos deputados federais e dos senadores e 14% dos vereadores. No Executivo, apenas um estado é governado por uma mulher e 12% dos municípios.
Esse cenário coloca o Brasil na lanterna dos rankings de presença feminina no poder. Estamos na 152ª posição na lista de 192 países que mede a representatividade feminina na Câmara dos Deputados, divulgada pela Inter-Parliamentary Union. Já entre os cargos no Executivo, ocupamos a 161ª posição na comparação entre 186 países, de acordo com o Projeto Mulheres Inspiradoras.
Na visão de Allen, há uma movimentação de novas gerações para renovar os espaços de poder. “Acredito que especialmente as jovens mulheres que tenho visto, de até 45 anos, são muito fortes, têm alta escolaridade, não parecem tímidas e com certeza estão prontas para os desafios de uma campanha. Acredito que essa nova geração tem muito mais confiança e são mais capazes de concorrer. Tenho visto muitas mulheres aqui interessadas em serem parte do grupo de pessoas que tomam as decisões”, disse.
Allen é vice-presidente de Educação e Treinamento do National Women’s Political Caucus, uma organização que ajuda mulheres a se elegerem em diferentes níveis de governo. Ela é autora de livros e manuais sobre o tema e foi vice-presidente nacional do Comitê Político Nacional das Mulheres nos EUA e fundou o Centro para Mulheres e Democracia, em 2000, para ajudar mulheres a aprender umas com as outras – local e globalmente.
No Brasil, Allen participou do evento “Mais Mulheres na Política FGV: mesa e debate perspectivas e desafios para as próximas eleições”, promovido pela FGV (Fundação Getulio Vargas) em 22 de novembro.
Ao falar sobre o impacto da representatividade feminina na política, a especialista afirmou que é possível ver mudanças concretas no processo de aprovação de leis quando a participação das mulheres no Parlamento chega entre 15% a 20%. “Coisa boas surgem quando começamos a prestar atenção ao que acontece quando essas mulheres começam a vencer”, ressaltou.
Leia os principais trechos da entrevista.
HuffPost Brasil: O que te chama atenção sobre o cenário de participação de mulheres na política no Brasil?
Cathy Allen: No Brasil, mais mulheres do que homens estão no Ensino Superior. Temos muitos mulheres trabalhando em empregos qualificados. Quando temos um ambiente melhor para trabalho e educação das mulheres é muito improvável que tenhamos um número tão pequeno de mulheres eleitas como o Brasil tem agora. Isso é incomum e um bom motivo para vir aqui descobrir qual o problema.
O que eu vejo é que muitas mulheres querem concorrer, mas os partidos precisam dar mais oportunidade para mulheres serem treinadas e terem suas candidaturas financiadas. Creio que há muitas oportunidades nas eleições de 2020, considerando que há tantas pessoas aqui que querem renovação política.
Um dos principais fenômenos nos Estados Unidos não é diferente do que acontece aqui. As pessoas falaram que queriam ver mais pessoas eleitas que se parecem com elas, que agem como elas, que criam os filhos como elas. Eles procuram pessoas gentis, mulheres que têm seus próprios negócios ou que têm empregos comuns. Todos esses tipos de mulheres estão aí. Temos visto muitas mulheres altamente qualificadas.
Tenho certeza que essa energia que está sendo construída pode fazer com que as próximas eleições no Brasil sejam o que as últimas eleições foram para os Estados Unidos, quando mulheres ganharam tanto no nível local quanto nacional.
Por que temos poucas mulheres na política no Brasil? Precisamos mudar a legislação?
O que tem acontecido em vários países é uma redução da diferença de escolaridade entre homens e mulheres. Quando ambos os gêneros têm um bom nível de escolaridade e boas expectativas de participar da sociedade, é que eles se interessam em ser eleitos. O problema não são as pessoas. É o sistema educacional e eleitoral.
*A Lei Eleitoral obriga os partidos a destinar 30% das candidaturas para cada gênero. O mesmo percentual do Fundo Eleitoral e do Fundo Partidário também tem de ser usado para promoção de mulheres na política.
Quais iniciativas para aumentar a participação feminina na política têm dado certo em outros países?
Uma das melhores experiência é na Colúmbia Britânica, no Canadá. Há cerca de 10 anos, quanto eles tinham cerca de 13% de mulheres na política, o Novo Partido Democrático fez uma mudança interna. Sempre que um homem eleito morria ou renunciava ao cargo, ele era substituído por uma mulher, uma “pessoa de cor” ou um homem gay. Em 10 anos, eles foram de 13% de mulheres para 36% e as mudanças promovidas pelas mulheres fizeram história.
O Canadá têm uma longa história de mulheres nativas que desapareceram. A maioria porque foi morta ou estuprada e nenhuma autoridade foi atrás de descobrir o que aconteceu com elas. Essas mulheres eleitas conseguiram mudar esse cenário. Conseguiram dinheiro e que as forças policiais trabalhassem nisso.
Coisas boas acontecem quando você tem mulheres no poder. Nós enfrentamos muito mais questões de uma maneira que não se fazia antes.
É possível aplicar alguma dessas ideias no Brasil?
Acho que muitas mulheres já estão tentando fazer isso. Eu estava vendo as novas normas, especialmente as relacionadas a financiamento. Há uma pressão para melhorar a arrecadação para candidatas. E olhando para as estruturas dos partidos, há vários tipos de oportunidades para muitos deles distribuirem o dinheiro de maneira mais igualitária para as mulheres.
A maioria dos partidos no Brasil é controlado por homens e eles também são maioria no Congresso. De tempos em tempos, há tentativas de frear avanços de promoção de mulheres na política. Como vê esse tipo de situação? É preciso mudar quem está o comando dos partidos?
Temos de ser cuidadosas. Nada nos é dado. É conquistado. Ainda que possa haver diferentes leis para dar às mulheres mais poder e controle do dinheiro, a implementação dessas normas não ocorre de maneira tão simples. Muitas mulheres precisam estar alertas e, honestamente, muitos homens estão interessados em ajudar as mulheres para que elas tenham chances reais de serem eleitas.
Sim, será difícil. Não será fácil e nada nos será dado, mas tenho de dizer que tanta coisa foi feita nos últimos dois anos só porque as mulheres começaram a agir após quase 20 anos sem muito ativismo. Principalmente mulheres jovens começaram a se envolver em diferentes treinamentos. Acredito que as mulheres jovens serão definitivamente parte da solução.
“Quando as mulheres atingem entre 15% e 20% do Parlamento, eles conseguem propor e aprovar leis. Elas fazem muita diferença”, afirma Cathy Allen.
Há indícios do uso de candidaturas laranja de mulheres no Brasil para cumprir a cota de 30%, inclusive na sigla pela qual o presidente Jair Bolsonaro foi eleito, o PSL. Como devemos resolver esse problema? É preciso melhorar a fiscalização feita pela Justiça Eleitoral? É uma questão de mudança cultura?
No passado, algumas mulheres relutavam em votar em outras mulheres. O que tem acontecendo recentemente é um grande aumento no número de mulheres na disputa eleitoral e outras mulheres estão dando contribuições e ajudando nessas campanhas. Candidaturas falsas serão descobertas pelas mulheres que estão atuando de fato nos partidos e pela imprensa. Não é algo difícil de ser identificado.
Algumas pessoas alegam que há fatores culturais para mulheres não quererem participar da política, que é mais difícil para elas estar longe da família, por exemplo. Como você vê esse tipo de discurso e como atrair mulheres para esse campo?
A maioria das pessoas não sabem o que os políticos fazem de fato ou como ser eleito. Quando você começa a conversar com as pessoas, elas se mostram mais abertas para isso, começam a procurar os grupos que podem ajudá-las. Há menos mulheres desistindo de disputar agora do que havia há dez anos atrás. Acredito que isso aconteça porque a imprensa têm feito uma cobertura sensata e as pessoas admiram mulheres que conseguiram se eleger.
Há um novo respeito às mulheres em todo o mundo. Muitos homens me falam ‘sei que devemos votar nas mulheres. Elas não podem ser tão ruins quanto as pessoas no comando agora’. No nível local, eles sentem que coisas boas acontecem por causa do trabalho dos parlamentares.
Acredito que especialmente as jovens mulheres que tenho visto, de até 45 anos, são muito fortes, têm alta escolaridade, não parecem tímidas e com certeza estão prontas para os desafios de uma campanha.
Acredito que essa nova geração tem muito mais confiança e são mais capazes de concorrer. Tenho visto muitas mulheres aqui interessadas em serem parte do grupo de pessoas que tomam as decisões.
Há um proposta em discussão no Congresso para que haja um mínimo de vagas para mulheres no Legislativo. Acha que é uma boa solução?
Muitos países europeus têm sistema similares. Nenhum deles é excelente. Nenhum deles funciona o tempo todo e nenhum deles funciona desde o começo. A parte importante que vejo das políticas de cotas é que, muitas vezes, é o instrumento para as pessoas verem pela primeira vez mulheres no Congresso. Se o governo não consegue dar inspiração e espaço para as mulheres serem eleitas, as cotas são necessárias.
Há muito jeitos de implementar cotas e nenhum é perfeito. As cotas deveriam ser uma inspiração para podemos ver o que acontece se não acharmos mulheres para concorrer voluntariamente. Elas existem para colocar as mulheres no poder porque ainda que elas sejam inexperientes, é melhor tê-las do que não tê-las. Quando as mulheres atingem entre 15% e 20% do Parlamento, eles conseguem propor e aprovar leis. Elas fazem muita diferença.
Com a ascensão da extrema direita no Brasil, temos mulheres eleitas que não têm a equidade de gênero como bandeira. Há algum tipo de conflito em promover uma maior participação feminina na política de parlamentares não feministas?
Não acho que há conflito. Ainda que haja mulheres conservadoras que não concordam com leis [que promovem mulheres na política], elas de fato concorrem e, por vezes, vencem. E nossa experiência diz quanto mais mulheres disputam e ganham, há mais mulheres da classe trabalhadora, jovens, negras ou que têm experiências profissionais diversas, como especialistas em computação, por exemplo. Vemos uma grande diversidade nas mulheres eleitas e muito poucas são de extrema direita. E elas podem dizer o que quiserem, podem discordar. Ser uma república é sobre isso. Além disso, tanto homens quanto mulheres têm se convencido de que será melhor se forem eleitas mais pessoas que pensam e agem como eles.
O Tribunal Superior Eleitoral criou um comitê de gênero neste ano, após uma recomendação da OEA. Há iniciativas similares em outros países? Elas têm resultados positivos?
Temos muitas iniciativas diferentes. Há organizações que ajudam as mulheres a desenvolverem habilidades de liderança. Acho que essas ações são muito boas. Nos Estados Unidos, houve um aumento dramático no número de mulheres que entrou nesse tipo de organização nos últimos anos. Elas triplicaram. Tivemos o movimento Me Too e a eleição presidencial em que esperávamos a vitória de uma mulher e ficamos chocadas quando isso não aconteceu. E na minha experiência, coisa boas surgem quando começamos a prestar atenção ao que acontece quando essas mulheres começam a vencer.
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