As festas de fim de ano normalmente são marcadas por comemorações entre famílias e amigos e votos de paz, alegria e renovação. Ainda assim, para muitas mulheres, o momento que deveria ser de celebração acaba virando tragédia.
Apenas na noite de Natal, na terça-feira (24), três mulheres foram assassinadas por companheiros ou ex-parceiros só no interior do estado de São Paulo. Também houve um registro de feminicídio em Ijuí (RS). No Ceará, outras duas mulheres foram mortas, uma pelo marido, outra pelo ex-namorado. Outra ainda, grávida, foi espancada pelo marido, que acabou preso com uma pistola calibre 38.
Comparando-se com a média de feminicídios registrados no Brasil, de 3,3 vítimas por dia, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o número de mulheres mortas por serem mulheres registrado acima, e compilado a partir de reportagens publicadas na imprensa, já é praticamente o dobro do usual.
Segundo especialistas, o aumento desse tipo de crime contra mulheres não se restringe às datas
comemorativas, mas se estende durante a semana entre o Natal e o Ano-Novo. Mas por que, nessa época do ano, crescem os casos de feminicídio?
A advogada Gabriela de Souza, do escritório Advocacia para Mulheres, do Rio Grande do Sul, afirma perceber que o mês de dezembro é marcado por conflitos familiares. “Vai chegando o recesso e já começo a receber mais casos de violência doméstica. É muito comum, por exemplo, o ex-marido que não se conforma com o fim do relacionamento ir à confraternização da família, na noite de Natal. Cria um conflito, quer reatar e acaba praticando a agressão”, afirma Gabriela, especialista em violência de gênero.
“A ameaça é o crime que mais aumenta. Os ânimos estão tão à flor da pele que os homens se descontrolam. Claro que não vou colocar a culpa no sentimento de nostalgia do fim do ano, mas, no homem machista, [esse sentimento] bate de tal maneira que ele usa a data para ter sua vontade realizada: que é fazer com que a mulher ou ex o obedeça”, diz.
A advogada afirma que um dos fatores para o aumento de feminicídios nessa época do ano é que, seguindo a ideia de encerramento de um ciclo que vem junto com o fim do ano, muitas mulheres vítimas de violência doméstica decidem terminar o relacionamento para mudar de vida no ano seguinte. “As pessoas estão mais resolutivas. A mulher conclui que deu uma chance ao companheiro por um ano e ele não mudou. E aí fala em separação”, explica. É nesse momento, aponta Gabriela, que o marido, não admitindo que a mulher queira se separar dele, a agride ou assassina.
Para a advogada Renata Bravo, autora do livro “Feminicídio: Tipificação, Poder e Discurso” (editora Lumen Juris), em que analisa o crime pela perspectiva comportamental, outro motivo para que haja mais feminicídios nessa época é o aumento do uso de álcool e drogas ilícitas no período de festas.
Além disso, diz Renata, há ainda o desejo de certos homens de matar as companheiras ou ex-mulheres na frente de familiares das vítimas, dos filhos dela ou de outros homens, como uma demonstração de poder. “Um dos motivos é, principalmente, mostrar quem é o ‘macho’ para seus pares. Por isso, dizer que um feminicídio foi motivado por ciúme também é uma desculpa: na verdade, além de querer acabar com a vida da companheira, eles querem ganhar uma disputa com outro homem”, afirma.
“A violência doméstica está enraizada na família brasileira, por isso, faz sentido que mais conflitos aconteçam na época de maior convívio familiar, como é o final do ano”, aponta Gabriela.
do site Universa