Por serem ainda muito ‘jovens’, as Leis do Feminicído e Maria da Penha ainda provocam algumas dúvidas na população em geral. Cansei de explicar a alguns colegas a diferença entre homicídio de mulheres e feminicídio, por exemplo. Portanto, vez ou outra nos deparamos com situações específicas que nos põe pra pensar. O fato é feminicídio não tem gênero, credo, cor ou classe social.
Quando abrimos o leque de possibilidades e percebemos que existem negros racistas, gays homofóbicos e mulheres machistas, chegamos ao ponto crucial dessa postagem:
É possível uma mulher cometer um crime de feminicídio? A resposta é sim.
Essas leis não fazem distinção quanto ao gênero ou a orientação sexual de quem pratica as agressões. Por isso, também é considerado feminicídio o assassinato de uma mulher, cometido em contexto de violência doméstica, por outra mulher – no caso, sua companheira ou ex.
O primeiro caso de feminicídio de autoria feminina reconhecido pela Justiça brasileira é recente: foi registrado em setembro de 2019 — a lei que trata especificamente sobre esse tipo de crime é de 2015.
A motorista de aplicativo Tatiana Luz da Costa, 35, foi morta pela namorada, Wanessa Pereira de Souza, 34, que colocou fogo na companheira no apartamento que dividiam, em Brasília. Ela teve 90% do corpo queimado.
“Ficou caracterizado que havia um contexto objetivo de violência doméstica”, diz o promotor responsável pelo caso, Leonardo Otreira.
“Uma mulher lésbica em uma relação homoafetiva pode ter internalizado os mesmos valores
machistas e negativos que aparecem em relações heterossexuais e pode vir a praticar os atos por entender que a mulher com quem se relaciona tem que ser subjugada à sua vontade”, diz o promotor.
A advogada criminalista Soraia Mendes explica que há duas hipóteses quando se trata de feminicídio: no contexto íntimo, decorrente de violência doméstica e familiar, como no caso acima, e como crime de ódio, de menosprezo ou desprezo da condição de mulher. “O íntimo decorre de relações conjugais e pode contemplar a esposa ou a namorada”, explica Soraia, coordenadora do Cladem (Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher)
“Nesses casos [em que uma mulher mata ou agride a parceira], a mulher está reverberando atitudes machistas identificadas na sociedade em que foi criada. Quando ela vira sujeito ativo dentro do relacionamento abusivo, está repetindo o padrão masculino”, afirma a advogada Luanda Pires, coordenadora do núcleo de Mulheres LGBT da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB-SP.
Ela diz, ainda, que a vítima pode nem perceber que está sofrendo violência doméstica, uma vez que, geralmente se entende que esses atos aconteçam em relacionamentos heterossexuais. “Nós, lésbicas, temos mais dificuldades em identificar e aceitar essas situações. Se fala muito sobre violência doméstica, mas é sempre entre casais heterossexuais.
Em dezembro de 2019, foram registrados outros dois casos de feminicídio cometidos por mulheres em São Paulo, os primeiros do estado. Mas isso não significa que foram, de fato, os primeiros a serem cometidos.
Há uma diferença entre o assassinato de uma mulher cometido por sua companheira e a morte de uma mulher lésbica fora do contexto doméstico. Então a regra para identificar o tipo de crime continua sendo a mesma, independente do gênero.
Taty Valéria, com informações do site Universa