Em meio ao caos conservador, uma decisão pode ser comemorada como uma pequena vitória das mulheres e dos movimentos que lutam pelo direito de escolha.
Uma mulher diagnosticada com a síndrome do cordão curto foi autorizada pela Vara do Júri da Comarca de Campinas (SP) a interromper a gravidez considerada de alto risco.
Segundo informações do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), um exame de ultrassonografia identificou a síndrome que “inviabiliza a vida do bebê após o nascimento e faz com que a gravidez seja de alto risco”.
Em sua decisão, o juiz José Henrique Rodrigues Torres usou analogia em relação à descriminalização do aborto de feto anencefálico, julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e expediu alvará para realização do procedimento mediante intervenção médica.
“Decididamente, embora o Supremo Tribunal Federal, na ADPF n. 54, tenha decidido sobre uma situação específica, ou seja, sobre a hipótese de gestação de feto anencefálico, a fundamentação adotada na decisão é nitidamente genérica e alcança todos e quaisquer casos análogos, ou seja, todos e quaisquer casos de malformação fetal com inviabilidade de vida extrauterina. Portanto, este caso, que não é de anencefalia, mas de situação absolutamente análoga, está a merecer idêntico tratamento jurisdicional”, justificou o magistrado.
Em outro trecho, o juiz também se referiu aos direitos previstos no artigo 5º da Constituição Federal e a tratados e convenções internacionais ratificados pelo Brasil para conceder a autorização de interrupção da gravidez da solicitante.
Ele ainda destacou que o Estado tem o dever de garantir um procedimento seguro em casos como este. “Exigir que a gestante leve a termo uma gestação de feto anencefálico, ou com qualquer outra malformação incompatível com a vida extrauterina, submetendo-a, desnecessariamente, a todos os riscos físicos e psicológicos decorrentes de tal situação, constitui uma crueldade, uma desumanidade incontestável”, escreveu o magistrado. E concluiu: “a antecipação terapêutica do parto, neste caso, constitui um direito da interessada, direito esse que o Judiciário deve proteger e garantir”, diz a sentença.
“Decididamente, se a gestante tem o direito ao aborto não criminoso, ao Estado cabe garantir a ela condições ideais e seguras para a realização do ato e ao médico, bem como a todos os agentes do sistema de saúde, cabe realizar a interrupção da gestação, licitamente, para que o direito da gestante seja plenamente garantido”, completou.
No Brasil, a lei só permite a interrupção da gravidez em casos de estupro e risco de morte para a mãe. Em 2012, o STF considerou mais uma hipótese, incluindo a situação do feto encéfalo, que não possui qualquer condição de ter sobrevida fora do útero. Mesmo nesses três casos previstos em lei, a interrupção da gravidez não implica uma obrigatoriedade: as mulheres podem optar por levar a gravidez adiante.
O caso de Campinas abre um precedente valioso na luta pelo direito à escolha e autonomia do próprio corpo. Um juiz que conseguiu avaliar a complexidade do caso além da visão da lei. O lado humano agradece. Nunca é um decisão fácil, independente de qual for. Ter o amparo legal, deixa o processo menos doloroso.
O TJ-SP não informou a identidade da grávida e nem se o procedimento já foi realizado.
da redação, com Universa