A triste e desumana história da mãe que vendeu os cabelos para alimentar os filhos

By 22 de janeiro de 2020Sem categoria

No clássico ‘Os Miseráveis’, de Victor Hugo, uma das cenas mais chocantes é aquela em que Fantine, já no limite do desespero, da fome e da miséria, vende o próprio cabelo. É triste, é pesado, e infelizmente, é real.

Prema Selvam não é francesa como a personagem. Mas assim como Fantine, é mãe, sente fome e chegou ao limite do desespero. E sabe o pior? Prema não é exceção. A indiana, de 31 anos, faz parte de um contingente de mulheres vulneráveis que abastecem o mercado de cabelos humanos para que a indústria dos implantes capilares possa abastecer o mercado.

Sabemos o significado do nosso cabelo. Faz parte da nossa identidade.

“Meu filho de 7 anos, Kaliyappan, voltou da escola e pediu comida. Depois, começou a chorar por causa da fome”, disse Prema Selvam. Moradora do distrito de Salem, em Tamil Nadu, na Índia, Prema não tinha nada e ficou desesperada.

Naquela sexta-feira, 3 de janeiro, ela nem mesmo cozinhou, porque estava sem mantimentos. “Eu não tinha nada para dar. Isso me fez sofrer, partiu meu coração. Pensei qual seria o sentido de viver, se não posso alimentar meus próprios filhos?” ela disse à BBC.

Prema não tinha dinheiro, bens, joias, objetos de valor ou mesmo utensílios de cozinha que pudessem ser vendidos. “Eu só tinha alguns baldes de plástico.” Então, ela percebeu que tinha algo que poderia vender. “Lembrei de uma loja que comprava cabelos. Fui até lá e vendi todo meu cabelo por 150 rúpias (US$ 2, ou R$ 8)”, disse Prema.

O cabelo humano é comercializado globalmente e a Índia é o principal exportador. Depois que o cabelo é vendido, os fios são usados para produzir implantes.

Os programas do governo voltados para ajudar a população carente da Índia geralmente não alcançam pessoas como Prema. O dinheiro que recebeu pela venda do cabelo poderia comprar um almoço em um restaurante de classe média em uma cidade maior. Mas, na aldeia dela, ela conseguiu comprar muito mais. “Consegui três pacotes de arroz cozido, cada um custando 20 rúpias (R$ 1,17), para os meus três filhos.” E depois?

Prema sabia que havia esgotado sua última opção e começou a se preocupar com a próxima refeição da família. Durante anos, ela trabalhou com o marido na fabricação de tijolos e eles ganharam dinheiro suficiente apenas para os gastos básicos. Seu marido havia feito um empréstimo para montar seu próprio forno de tijolos, mas os planos nunca decolavam e a frustração tomava conta. Ele nunca conseguia dinheiro suficiente, se viu em um estado de desespero, e se matou.

Depois que acabou o dinheiro da venda do cabelo e sem ninguém para apoiá-la, Prema pensou em seguir o mesmo caminho.

“Fui a uma loja e pedi um pesticida.” Notando seu estado de angústia, o vendedor se recusou a atender ao pedido. Ela chegou em casa e decidiu tentar outra coisa. Arrancou sementes das plantas de oleandro (venenosa) e começou a triturá-las para fazer uma pasta. Felizmente, a irmã dela, que mora no bairro, apareceu e a impediu de tomar a mistura venenosa.

Prema diz que a pressão para pagar o dinheiro emprestado pelo marido acabou com ela. Desde a morte do marido, Prema é a única fonte de renda da família. Ela continua fabricando tijolos — um trabalho exigente fisicamente, mas cuja remuneração é melhor que a do trabalho agrícola. “Quando vou ao trabalho, recebo 200 rúpias (R$ 11,71) por dia, o que é suficiente para nossa família”, diz Prema. Ela normalmente leva seus dois filhos pequenos porque eles não têm idade suficiente para ir à escola.

Mas, durante os três meses anteriores à venda dos cabelos, ela muitas vezes adoecia, o que significava que não podia ganhar dinheiro suficiente. “Eu não conseguia carregar uma carga pesada de tijolos. Fiquei em casa a maior parte do tempo, com febre.”

Prema começou a deixar de pagar os empréstimos. Quando os credores começaram a pressionar, suas frustrações aumentaram. Ela é analfabeta e não conhecia os programas do governo que prestam ajuda a pessoas em situações como a dela. O sistema bancário formal na Índia está repleto de regras complicadas que dificultam o acesso das comunidades pobres ao crédito a taxas de juros mais baixas.
Prema e seu marido haviam tomado empréstimos de credores locais e vizinhos. Por se tratarem de empréstimos sem garantias, o custo era alto. Quando Prema adoeceu repetidamente, começou a ganhar cada vez menos dinheiro, o que a deixou em profundo desespero.

Mas como diz a música, “o sol, há de bilhar mais uma vez”. Poucos dias depois de Prema chegar ao fundo do poço, uma ajuda externa apareceu.

“Conheci Prema pelo meu amigo Prabhu, dono de um forno de tijolos nessa região”, disse Bala Murugan. A luta de Prema o lembrou do momento mais difícil da família dele. Bala sabe bem como a pobreza pode levar as pessoas ao desespero. “Quando eu tinha 10 anos, minha família ficou sem comida. Minha mãe vendeu nossos livros e jornais antigos por peso e comprou arroz.” Desesperada, a mãe de Bala queria acabar com a própria vida e a de sua família.

Ele se lembra de sua mãe fazendo fila com ele e suas irmãs. “Minha mãe primeiro tomou algumas pílulas e, depois disso, quando minha irmã estava prestes a engolir as pílulas, minha mãe a impediu.” Ela mudou de ideia no último momento.

A família levou a mãe a um médico, que conseguiu salvar sua vida. Após o incidente e anos de luta, Bala saiu da pobreza e agora tem uma empresa de computação gráfica.

Junto com seu amigo, Prabhu, deu a ela um pouco de dinheiro para comprar comida. Então, Bala escreveu no Facebook sobre o que havia acontecido. “Em um dia, arrecadei 120.000 rúpias (US$ 1.670, ou R$ 7 mil). Quando contei a Prema, ela ficou muito feliz e disse que era o suficiente para pagar a maior parte de seu empréstimo.”

Mas, a pedido de Prema, a captação de recursos foi interrompida. “Ela disse que voltaria ao trabalho e pagaria o resto”, disse Bala. Agora ela precisa pagar cerca de 700 rúpias (US$ 10 ou R$ 41) por mês para diferentes credores.

Autoridades do governo também prometeram ajudá-la a montar seu próprio comércio.

Infelizmente, a história de Prema não é única. Segundo o Banco Mundial, a Índia abriga o segundo maior número de pessoas extremamente pobres (que ganham menos de US$ 1,90 por dia) no mundo, atrás apenas da Nigéria.

“Agora percebo que foi a decisão errada (de tentar suicídio). Vou conseguir pagar o restante do empréstimo.” Prema diz que ficou impressionada com a ajuda que recebeu de pessoas desconhecidas, e disse que foi fundamental para que ela se animasse.

Algumas histórias reais conseguem ser mais surpreendentes que a ficção.

Taty Valéria, com BBC

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