Suspeito de agredir 10 ex-namoradas e com mandado de prisão em vigor por tentativa de feminicídio, esse rapaz ‘simpático’, Thiago Guedes Pacheco, 37 anos, segue foragido, segundo a Polícia Civil.
É quase surreal que um homem com um histórico tão grande de violência tenha continuado impune por tanto tempo, mas o fato é que as brechas na lei, o medo de denunciar e incômodo das vítimas em levar a denúncia adiante conseguiram deixar Thiago livre para encontrar novas vítimas. Um predador, no pior sentido da palava, à solta.
Nesta semana, o Ministério Público decidiu ouvir, uma a uma, todas as vítimas do músico, e constatou que, desde 2001, há registros judiciais de violência contra a mulher praticada por ele, em um documento que já soma 14 páginas.
Nesta semana, duas ex-namoradas compareceram à Promotoria Especializada em Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher para relatar como foram o relacionamento e as agressões que sofreram.
Elas se encontraram depois que a psicóloga Nádia Krubskaya Bisch contou a história dela nas redes sociais e em uma reportagem da RBS TV. Ao terminar o relacionamento, ela sofreu uma tentativa de feminicídio, em dezembro do ano passado. Desde então, Thiago Guedes Pacheco é considerado foragido da justiça.
O Ministério Público está fazendo um levantamento sobre o histórico de Thiago. Mesmo com tantos registros, Thiago nunca foi condenado pela Justiça, já que elas acabaram desistindo dos processos.
“Em razão do ciclo da violência, ou de que a mulher passou tanto tempo tão atemorizada, tão em pânico, que quando aquele agressor finalmente para de persegui-la, ela é chamada à Justiça e não comparece. E quando ela não comparece, ele é absolvido. E quando é absolvido, ele se fortalece”, diz a promotora Carla Cabral Lena Souto.
Ele chegou a ser preso em novembro, mas ficou apenas um dia na cadeia. Foi solto e, uma semana depois, tentou matar Nádia, na frente da casa dela. Devido a essa tentativa de feminicídio, a Justiça decretou novamente a prisão preventiva de Thiago, mas ele não foi encontrado e segue foragido desde dezembro.
O G1 tentou contato com o escritório de advocacia que representou Thiago no primeiro processo, mas foi informado que seus advogados deixaram o caso logo após a condenação, e não sabem se outro representante foi contratado, já que ele segue foragido.
Testemunha da Europa
Da Espanha, onde mora há cerca de um ano, a fotógrafa Luciana Hoffmann, de 37 anos, ficou sabendo dos casos pela internet.
“Eu estava rodando a timeline do Facebook e vi a cara dele enorme. Na hora, me assustei. Chegou a dar uma embrulhada no estômago. Me inteirei [do caso], entrei em contato com a Nádia e conversamos um pouco”, conta.
Luciana relata que namorou Thiago por três anos e que, em 2005, terminou o relacionamento. A partir daí, passou a viver sob ameaça, perseguição e violência constantes.
“O relato das outras meninas fecha com isso. Ele bate sempre no rosto, para ficar marcado mesmo. Na primeira vez, eu fiquei com metade do rosto preto, com hematomas, e essa foi a primeira vez que eu fingi que tive um desmaio, para tentar fazer com que ele parasse. E funcionou. Na segunda vez, ele parecia com mais raiva. E dizia com todas as letras: ‘Vou te matar, te desfigurar e depois te matar’. Tirou um relógio do braço e me batia com a pulseira, para furar meu rosto”, descreve Luciana.
A fotógrafa registrou vários boletins de ocorrência contra Thiago, mas, na época, ainda não havia sido promulgada a Lei Maria da Penha. Ele chegou a responder a um processo na Justiça e foi condenado a pagar uma pena de serviços comunitários — algumas horas de aula de música para crianças carentes.
Ex-namoradas da Região Metropolitana engrossam lista
Outra jovem, uma funcionária pública que mora em Porto Alegre, conta que namorou Thiago em 2013. Quando as agressões começaram, ela procurou a polícia. Lá, ficou sabendo que ele tinha boletins de ocorrência desde 1997.
Outra ex-namorada, uma assistente social que mora em Gravataí, teve um relacionamento com Thiago há dez anos. Quando terminou, foi constantemente perseguida. E ameaçada. “Ele me obrigou a entrar no motel com ele e, com um martelo na mão, ele rasgou toda a minha roupa e ameaçou dar marteladas na cabeça se eu não tivesse relação sexual com ele. A violência física é muito pesada, mas o abuso sexual, ele vem com o peso muito maior, porque é uma coisa muito íntima. Eu fazia ou eu morria”, desabafa.
MP pede que mulheres levem denúncias adiante
A promotora Carla Souto diz que, apesar da grande quantidade de medidas protetivas, registros de descumprimento e boletins por agressão e tentativa de feminicídio, Thiago nunca respondeu a um processo judicial pela Lei Maria da Penha. Isso porque, segundo ela, a maioria das vítimas desistem de seguir com os processos, e, nesses casos, o agressor é absolvido.
Carla reconhece que muitas mulheres têm medo de seguirem adiante, mas insiste na importância dos processos terem continuidade. Com a Lei Maria da Penha, basta a mulher registrar a ocorrência que o processo é automaticamente instaurado pela Justiça.
“Nós precisamos de condenações transitadas em julgado para que ele seja reincidente. A pena vai ser mais alta. Tem várias consequências de uma condenação. Então, parece que tudo ocorreu, mas não ocorreu. A gente analisa um caderno de antecedentes com 14 laudas, diversas vítimas, diversos registros e nenhuma condenação. Isso é preocupante, e nisso o MP se coloca à disposição”, afirmou a promotora.
Carla destaca que, no foro, há uma sala isolada para as mulheres, com acessos separados, e em que elas não têm contato com o agressor. A promotora explica que elas podem ser ouvidas em audiência sem precisar ficar frente a frente com o agressor.
do G1/PR