O banco americano Goldman Sachs anunciou em 23 de janeiro que deixará de estruturar a oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) de empresas com conselhos de administração compostos somente por homens brancos. A nova política entra em vigor em julho de 2020.
Na oferta pública inicial, as ações de uma empresa são colocadas à venda em uma bolsa de valores pela primeira vez. Esse processo é coordenado por um ou mais bancos de investimento, que oferecem as ações a investidores.
“Começando em 1º de julho nos Estados Unidos e Europa, não abriremos o capital de uma empresa a menos que haja pelo menos um candidato ‘diverso’ no conselho, com foco em mulheres”, disse o presidente do Goldman Sachs, David Solomon, durante o Fórum Econômico Mundial realizado entre 21 e 24 de janeiro em Davos, na Suíça. “E, em 2021, passaremos a exigir que sejam pelo menos dois membros”.
Segundo Solomon, cerca de 60 empresas dos EUA e da Europa que fizeram ofertas iniciais de ações nos últimos dois anos possuíam um conselho de administração totalmente masculino e branco.
O banqueiro ponderou que a decisão pode levar o Goldman Sachs a perder alguns negócios mas considerou que, a longo prazo, essa é a melhor recomendação para companhias que queiram dar a seus acionistas altos rendimentos. A medida, portanto, faz parte de uma tendência recente no mundo corporativo, que defende a agenda da diversidade e inclusão como forma de aumentar os ganhos das empresas.
A iniciativa é significativa para o mercado: o Goldman Sachs foi o banco que mais coordenou IPOs nos Estados Unidos em 2019. Junto com o Morgan Stanley e o JP Morgan, esteve entre os principais a atuar neste mercado na última década.
A medida também marca uma mudança de posicionamento: em 2019, durante a tentativa de abertura de capital da empresa de escritórios WeWork, cujo conselho administrativo não contava com nenhuma mulher, o argumento do banco era que cabia aos investidores decidir se a composição do conselho de uma empresa lhes agradava ou não. O IPO do WeWork acabou não se concretizando, em meio a questionamentos sobre a conduta do fundador da empresa, entre outros pontos.
O Goldman Sachs conta atualmente com quatro mulheres em um conselho formado por 11 pessoas. O banco se disse disposto a ajudar clientes a encontrar candidatas mulheres para seus colegiados.
A representatividade nos conselhos
Conselhos de administração são historicamente dominados por homens. Em anos recentes, investidores e mesmo legisladores passaram a pressionar para que sua composição se torne mais diversa. Foi só em julho de 2019 que todas as 500 maiores empresas listadas que negociam ações em bolsas nos EUA passaram a ter pelo menos uma mulher no conselho. Elas ocupam hoje 27% das cadeiras nessas companhias.
Ainda assim, empresas responsáveis pelos maiores IPOs dos últimos tempos nos Estados Unidos apresentam pouca diversidade em seus conselhos administrativos.
Uma pesquisa feita nos EUA, que analisou 200 empresas com valor de mercado de mais de US$ 500 milhões que não listam ações em bolsa, mostrou que 60% delas não contavam com nenhuma mulher no conselho. O estudo foi feito pela plataforma Crunchbase, pela organização Him for Her e pela Kellogg School of Management, escola de negócios da Universidade Northwestern, nos EUA. De todos os assentos nos conselhos das empresas estudadas, apenas 7% são ocupados por mulheres. Por fim, 76% das empresas com mulheres no conselho só tem uma conselheira.
Isso acontece porque a maioria dos fundadores e investidores de capital de risco dessas empresas são homens, quase sempre brancos, e são eles os membros que compõem o conselho de uma empresa nesse estágio, que muitas vezes antecede um IPO.
Melhora no desempenho
Mencionados pelo presidente do Goldman Sachs, os benefícios de um conselho diverso são amparados por uma série de pesquisas acadêmicas. Um estudo publicado em setembro de 2019 mostra que a presença de mulheres nos colegiados leva a decisões melhores e mais benéficas para os acionistas sobre investimentos e fusões. Elas contribuem para equilibrar o excesso de confiança de diretores homens, que tendem a assumir riscos maiores.
Um outro estudo, realizado pela consultoria empresarial McKinsey e divulgado em 2018, estabelece uma relação entre diversidade racial e de gênero e a lucratividade. Empresas no quartil superior para diversidade de gênero em suas equipes executivas eram 21% mais propensas a ter lucratividade acima da média do que as empresas no quartil inferior. Já as empresas com equipes executivas de maior diversidade étnica tinham 33% de probabilidade de superar o desempenho de seus pares nos lucros.
Um passo importante, mas insuficiente
A decisão do Goldman Sachs foi considerada importante porque fará com que empresas coloquem a inclusão de um conselheiro que não seja um homem branco na lista de requisitos necessários para fazer um IPO.
Mas ter uma única mulher ou pessoa não branca no conselho de administração não basta, segundo Lorraine Hariton, presidente da ONG Catalyst, que auxilia empresas a se tornarem locais de trabalho melhores para as mulheres.
Em entrevista à emissora americana CBS News, Hariton ressaltou que conselheiros que se veem na situação de ser a única mulher ou a única pessoa negra na sala muitas vezes enfrentam dificuldades para ser ouvidos. Por essa razão, ela recomenda que as empresas tenham no mínimo três membros “diversos”.
Qual a situação no Brasil
A presença de mulheres em conselhos de administração também é bastante pequena no Brasil. Um estudo feito pela consultoria Enlight, divulgado em 2019, mostra que apenas 7,3% dos cargos de conselho em empresas do Novo Mercado são ocupados por mulheres.
O Novo Mercado é o segmento da bolsa que lista empresas de capital aberto com os melhores níveis de governança corporativa. De 142 empresas listadas nesse segmento, 92 (65%) têm conselhos formados exclusivamente por homens.
Já entre as empresas com ações negociadas na Bovespa, a Bolsa de Valores de São Paulo, 58% não têm nenhuma mulher no conselho de administração. No total, são 424 companhias cuja cúpula decisória é totalmente masculina.
O movimento 30% Club, campanha iniciada no Reino Unido que busca melhorar o equilíbrio de gênero na liderança das empresas, chegou ao Brasil em 2019 para combater esse cenário. Presente em dezenas de países, o grupo trabalha para que os conselhos de administração de grandes empresas listadas em bolsa tenham pelo menos 30% de participação feminina.
Do Nexo Jornal