Em 2019 foram registrados no Brasil 124 assassinatos de pessoas transsexuais, o que dá uma média de um homicídio a cada três dias, segundo levantamento inédito da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra) e do Instituto Brasileiro Trans de Educação (IBTE).
O resultado mostra uma queda de 24% em relação aos 163 casos registrados em 2018, mas mesmo assim o país segue sendo o que mais mata pessoas trans no mundo.
“É importante observar que, em 2019, o Brasil segue à frente no ranking mundial de assassinato de pessoas trans no mundo, desde 2008, conforme dados internacionais da ONG Transgender Europe (TGEU). É importante ressaltar que a média dos anos considerados nesta pesquisa (2008 a 2019) é de 118,2 assassinatos/ano. Observando o ano de 2019, vemos que ele está 5% acima da média em números absolutos, mesmo com a aparente queda nos números absolutos”, informa o relatório, que será divulgado nesta quarta-feira, Dia Nacional da Visibilidade de Transexuais e Travestis.
O documento critica a ausência de políticas públicas em 2019. “Nenhuma ação foi tomada pelo governo brasileiro em relação à LGBTIfobia”, diz o texto. Também destaca que 82% das vítimas são negras ou pardas e que 59,2% têm de 15 a 29 anos.
De acordo com o levantamento, o Brasil registra seis vezes mais assassinatos de pessoas trans que os EUA, que têm uma população 50% maior que a brasileira.
Também são apontadas diferenças regionais. No ano passado, São Paulo liderou em número de casos, com 21 homicídios, 50% mais que os 14 de 2018, quando o estado ocupava a terceira posição no ranking de assassinatos. Pernambuco também registrou o aumento de casos, de 7 para 8, bem como Maranhão (de 3 para 5), Rondônia e Tocantins (de um para 2, em cada estado).
Por outro lado, o Rio, que liderou o ranking de 2018 com 16 mortes, caiu para a quinta posição, com 7 homicídios. Reduções também foram apontadas na Bahia, Pará, Minas Gerais e Ceará. Em 2019, quatro estados não registraram homicídios de pessoas trans, de acordo com a Antra: Acre, Amapá, Santa Catarina e Distrito Federal.
A equiparação da homofobia ao racismo, o casamento igualitário e o reconhecimento civil de pessoas transsexuais foram conquistas da população LGBTI nos últimos anos, asseguradas por decisões do Supremo Tribunal Federal. Entretanto, lideranças dos movimentos de transsexuais, reunidos em evento no Rio de Janeiro, temem um retrocesso com a mudança da composição da corte com os novos ministros indicados pelo governo Bolsonaro.
— No Rio, por exemplo, a Justiça estadual não trata os ataques a pessoas LGBTI como injúrias raciais, que poderiam ter pena de um a três anos, mas como injúria comum, com pena de um a três meses. O mesmo ocorre nas delegacias. Muitos juízes e policiais afirmam que não aceitam a decisão do STF, por entenderem que isso precisa ocorrer através de leis — afirmou a advogada trans Maria Eduarda Aguiar, durante evento organizado pelo Instituto Internacional sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos, sediado em Washington (EUA).
Maria Eduarda Aguiar afirma que, até o momento, desde a decisão do STF, houve apenas uma manifestação judicial do estado do Paraná equiparando a LGBTFobia ao racismo.
A advogada trans também defende que os estados facilitem a gratuidade de certidões necessárias para que as pessoas trans possam fazer suas mudanças de identidade civil. Hoje o processo é altamente burocratizado. No Rio, este custo pode passar de R$ 600.
— Pode parecer pouco para muita gente, mas temos que lembrar que a população trans é, em sua grande maioria, muito vulnerável. Esse valor pode representar mais que a renda mensal de muitas pessoas e, sem isso, elas têm dificuldade de se regularizar e de conseguir um emprego — afirmou.
Representatividade
Bruna Benevides, secretária de articulação política da Associação Nacional de Travestis e Transsexuais (Antra), afirma que a situação do trans no Brasil ainda é muito grave. Segundo o levantamento de sua entidade, 67% dos assassinatos de transsexuais no Brasil ocorrem na rua, 60% das vítimas eram prostitutas e, em cerca de 70% dos casos, não havia relação sentimental entre a vítima e o assassino.
— Isso mostra que ainda somos perseguidas apenas por sermos quem somos. A prostituição já é reconhecida no Código Brasileiro de Ocupação, precisamos ganratir melhores condições de trabalho — disse ela.
O evento, organizado pelo Instituto Internacional sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos, contou com a presença de Victor Madrigal, especialista independente de Orientação Sexual e Identidade de Gênero da ONU, que participou de eventos e encontros em Brasília, Salvador e Rio.
do jornal O Globo