Não se fala em outra coisa, mas se você perdeu, acompanhe o fio:
1. O médico Draúzio Varella faz uma matéria linda para o Fantástico sobre a vida das mulheres trans que estão apenadas. Dráuzio fala de Suzy, mulher trans que está há 8 anos sem receber visitas.
2. Há uma comoção geral pela solidão de Suzy.
3. Dr Draúzio começa a ser ovacionado. Em tom de brincadeira, ou talvez não, as pessoas começam a apontar seu nome para ser o futuro presidente do Brasil.
4. Ocorre um movimento e Suzy começa a receber cartas e presentes.
5. Um site ligado ao MBL divulga uma matéria falando que Suzy está presa por estuprar e matar um menino de 9 anos. Nada é comprovado, a não ser um processo em que um homônimo de Suzy, quando ainda se chamava Rafael, aparece como o autor dos crimes.
6. Perfis ligados à extrema direita repercutem o fato como se fosse verdadeiro.
7. Dr. Draúzio lança uma nota em que afirma que não é juiz, apenas médico.
8. O caos está lançado, e a única coisa que sabemos até agora é que o verdadeiro motivo da condenação de Suzy ainda não foi devidamente esclarecido.
Diante de tanta confusão e de tanta desinformação, o paraíba Feminina prefere aguardar a verdade dos fatos. De todo modo, recebemos um texto de uma das nossas leitoras e que cabe exatamente dentro dessa discussão.
Reproduzimos aqui, na íntegra:
Bem, eu quis evitar a fadiga mas vou entrar na discussão sobre causas/crimes / punição/perdão usando o parâmetro de comparação Goleiro Bruno/Suzy Oliveira:
Como cristãos (que são maioria no BR, segundo o IBGE) ou somente cidadãos que pregamos a justiça, não devemos pregar a punição eterna. Porém, também precisamos prezar pela paz que, como diz Dom Helder, é fruto da justiça (e a justiça em várias faces, inclusive em políticas públicas que favoreçam o fim da desigualdade social, por exemplo).
Pois bem, eu defendi, à época do caso do goleiro Bruno, que ele não merecia esse perdão social que estavam querendo dar a ele, lhe dando um novo clube e uma nova porta para que ele voltasse à sua vida normal. A situação recente é: enviar ou não a carta à trans Suzy (caso Fantástico / Dr Drauzio Varella)?
Então vamos comparar:
– Bruno cometeu um crime monstruosamente hediondo
– Suzy também (*ainda não está totalmente esclarecido, mas digamos que sim)
– Bruno pagou menos de 1/3 da pena, ganhou regime semiaberto e já está pronto para ter sua vida normal. Tem fãs, é tietado nas ruas e NUNCA assumiu ou pediu perdão pelo crime que cometeu. E Macarrão, seu comparsa? Cadê?
– Suzy está há 8 anos na cadeia sem receber visita de ninguém. São 8 anos sem visita, e sei lá há quantos anos está na cadeia. Não tem previsão de saída. Dentro ou fora da cadeia, será sempre julgada, humilhada e desprezada pela condição de mulher trans.
E, completando: comparem o tamanho da ação em prol dos dois:
– Lhe devolver o posto de ídolo de futebol, retomar sua vida, ganhar dinheiro, ser respeitado sem ter pago diante da justiça pelo crime que cometeu.
– Enviar uma carta dizendo “você pode superar tudo”, enquanto ela continua a pagar pelo crime que cometeu (seja ele qual for), privada de liberdade.
Então, o caso aqui é de punição eterna? Não! O caso volta às origens da justiça social! A sociedade não está interessada em perdoar quem erra, a sociedade pouco se importa com isso, desde que a gente saiba quem é você no jogo: um goleiro, ídolo de um dos maiores clubes do país ou uma transexual anônima e pobre. De novo, a vida das mulheres vale muito, mas muito menos do que a vida de qualquer homem nessa sociedade, mesmo quando comparamos casos tão tristes como os relatados aqui. E se for mulher trans então…
Justiça pra quem? Perdão pra quem?
Márcia Marques, especial para o Paraíba Feminina