20 de abril. 33 dias de quarentena.
Faz exatamente um mês que estive com meus filhos pequenos pela última vez. Que ouvi suas vozes ao vivo, que dei um abraço neles, que senti o cheiro dos seus cabelos. Naquele dia eu tinha uma perspectiva de quando nos veríamos de novo, mas assim como os prazos de confinamento foram se estendendo ao longo dos dias, nosso prazo também foi esticado. A decisão de deixá-los longe foi tomada baseada em responsabilidades e acordos pessoais que já existiam antes do coronavírus. Foi uma decisão simples, naquele momento. É o melhor pra eles: estarão seguros e amparados, terão conforto, amor, dedicação extrema. Bem alimentados, bem cuidados: corpo e mente. De fato, não é uma decisão difícil de tomar.
Mas os dias passam, as dores, os traumas e as culpas voltam. Cada dia com um peso diferente, e às vezes eles pesam tanto que fica difícil respirar. A dor que é só emocional se torna física. Começa a latejar o peito e a cabeça. Fica difícil dormir, fica difícil comer, fica difícil se olhar no espelho. Deixo meu quarto, durmo no quarto deles. O cheirinho no travesseiro. A roupa sujinha de suor ainda não foi lavada e nem será por enquanto, é o que de mais presente tenho agora. A bola continua no meio da casa, os desenhos e os lápis de cor continuam na mesinha. Os biscoitos de chocolate não serão abertos. O suco de uva não será feito.
Sonho com o barulho da escola. Aquele momento tão precioso do meu dia em que abria mão de reuniões, matérias, trabalho. Só em casos de urgência não conseguia pegá-los. E até hoje me corrói o último dia de aula, quando eu não consegui. Foi uma urgência. Compenso amanhã, pensei. Mas não teve amanhã, e nem está tendo.
Não sei quando será amanhã. Nem o depois.
Por um momento tentei colocar meu egoísmo acima de tudo. A saudade é minha. A dor é minha. Mas a razão precisa falar mais alto, e ela falou. A razão tem um nome, um CPF e um RG. Mais uma vez a razão chegou e me fez entender o que é o melhor nesse momento.
Falo com eles todos os dias. Nos vemos todos os dias. Escuto suas vozes, vejo como estão grandes.
Queria aquele abraço suado depois do futebol. Aquelas arengas de quem tem o direito de escolher o que assistir na TV. De ouvir “eu odeio brócolis e cenoura” e raspar o prato com brócolis e cenoura.
As gatas estão estranhas. Sentem falta de algo que elas nem sabem o que é. Ou sabem? Será que sentem que a casa está silenciosa há mais tempo do que deveria? Será que estão achando estranho que a “sua humana” resolveu dormir num quarto diferente?
Um mês. Foi o maior tempo que já passei sem abraçar meus filhos. Mesmo diante do caos do tempo, da vida, dos erros e das dores, abraçava meus filhos. Um mês. Trinta dias contados.
“Quando isso tudo passar, nós vamos nos divertir. Vamos passar o dia brincando. Vamos juntar os primos e fazer muito barulho. Vamos dormir abraçados. Vamos ver o tamanho que vocês estão! Me contem o que fizeram, o que descobriram, o que aprenderam! Olha só o que eu fiz enquanto vocês estavam fora!”
Quando isso tudo passar.