A linha de frente do combate ao coronavírus tem rosto de mulher. Segundo relatório do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) e da Fundação Oswaldo Cruz, 84,7% dos auxiliares e técnicos de enfermagem são do sexo feminino. De acordo com o Conselho Regional da Paraíba, o contingente de profissionais de enfermagem chega a 91,1% de mulheres.
Estar o dia inteiro cercado por pacientes com uma doença sem cura cobra também um preço físico. Até o momento, de acordo com levantamento feito pelo Cofen em todo o Brasil, 4.602 profissionais de enfermagem foram afastados por suspeita da covid-19, e 57 morreram pela doença ou em casos suspeitos mas ainda não confirmados. Destes óbitos, 32 (ou 56%) são mulheres. “Esta é apenas a ponta do iceberg”, diz o chefe do departamento de Gestão do Exercício Profissional do Conselho, Walkírio Almeida, tendo em vista que as ações de fiscalização do órgão alcançaram, até o momento, 27% do total de profissionais da área. Segundo ele, foram recebidas mais de 4.590 denúncias, boa parte delas referente à falta de equipamentos de proteção individual (EPIs) para as equipes de enfermagem.
Nos hospitais, o grande desafio para a equipe médica é no momento de desparamentação, ou seja, na hora de tirar os equipamentos de proteção individual usados durante o trabalho: óculos, máscara N95 (que cobre a boca e nariz e filtra 95% das partículas que estão no ar), máscara facial, avental impermeável e luvas. “É muito fácil se contaminar nessa hora se você não seguir um protocolo rígido, uma ordem determinada do que tirar primeiro”, afirma Luciana. “O fundamental é calma e foco. Mas infelizmente não existe risco zero”, diz.
O trabalho com pacientes da covid-19 também expõe dramas pessoais das famílias de pessoas infectadas.
“Tem um caso que mexeu comigo, o de um casal de idosos na casa dos 80 anos. Os dois chegaram juntos com sintomas e foram direto para a unidade de tratamento intensivo. A esposa melhorou, mas ele infelizmente faleceu. Para não desestabilizá-la emocionalmente e comprometer sua melhora, a família não contou que ela perdeu o marido. E ela pergunta muito dele, e eu não posso contar a verdade”, diz Luciana Martinez, 42, enfermeira que trabalha em dois hospitais (um público e um privado), na região Norte de São Paulo.
. Em alguns casos, famílias inteiras são internadas. “Teve um paciente que foi internado com os pais. Ambos morreram”, lamenta. “A gente vê paciente jovem sem comorbidade que está com a doença e está em situação bem ruim na UTI”, conta, desmistificando o argumento de que a covid-19 é uma doença que afeta apenas idosos.
Indagada sobre como é trabalhar neste ambiente, Luciana resume: “Não posso deixar de ir trabalhar. O momento pede. Eu acordo e acho que estou num filme, mas tento fazer o meu melhor para que esse filme tenha final feliz”. Sobre as aglomerações que acontecem na cidade mesmo com o número recorde de mortos, ela diz que “as pessoas não tem noção do que está ocorrendo no hospitais”, e termina com um “fiquem em casa!”.
Fraldas para trabalhar e renascimento
Com a escassez de equipamentos de proteção e o risco de contaminação na hora da desparamentação, muitas enfermeiras e técnicas acabam tendo que recorrer a métodos drásticos para conseguir ficar 6 horas seguidas sem urinar ou usar o banheiro. “Acabamos usando fralda pra poder aguentar. Não somos sexo frágil, aguentamos muito mais do que os homens em várias coisas, inclusive muitos homens também estão trabalhando de fralda”, afirma Joana, que pediu para ter seu nome e o do hospital onde ela atende mantidos em sigilo.
Ela é técnica de enfermagem em uma unidade de referência no tratamento ao coronavírus em Fortaleza, no Ceará, Estado que ocupa a terceira posição no número de casos confirmados (atrás apenas de São Paulo e Rio de Janeiro), e que anunciou, em 14 de abril, o colapso de seu sistema de UTIs.
com informações do EL País