Mulheres — quase 85% dos trabalhadores de enfermagem são do sexo feminino, e na Paraíba, o percentual chega a 91% — e homens que estão todos os dias na linha de frente do combate ao coronavírus nos hospitais brasileiros estão morrendo a uma taxa alarmante, uma das maiores do mundo. De acordo com o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), até esta quarta-feira foram identificados 73 óbitos de profissionais pela covid-19 no país. São vítimas jovens: a maior parte (41) tinha menos de 60 anos, sendo uma delas de apenas 29 anos. A cidade de São Paulo, maior epicentro da crise sanitária no país, lidera o ranking com 18 mortos, seguida por Rio de Janeiro, com 14 casos. O Cofen laçou uma plataforma para monitorar as mortes na enfermagem em todo o Brasil, com o auxílio dos Conselhos Regionais. Além destas vítimas, outros 16 óbitos envolvendo trabalhadores da área ainda estão sob análise, aguardando resultado de testes.
Uma enfermeira paraibana, que trabalha no Hospital Geral de Mamanguape, região metropolitana de João Pessoa, e preferiu não se identificar, afirmou que o trabalho está um pouco tenso porque muitos colegas estão se afastando por síndromes gripais. “A tendência é aumentar esses contágios porque não trabalhamos num só lugar. Tá muito difícil pra nós profissionais”, afirmou. Ela ainda conta que teme pela própria saúde.
“Mesmo com proteção, tenho medo até de ir no banco, ou de levar vírus pra casa, ou adoecer e precisar internar. Mas é um dia de cada vez. Fora q o sofrimento do dia a dia vendo as pessoas doentes é pior, Os pacientes morrem, paciente jovens, eu saio arrasada. Tá uma situação difícil, queria muito q as pessoas pensassem no coletivo mas tá ruim”, diz a enfermeira num apelo para que as pessoas respeitem o isolamento.
Para efeito de comparação, os Estados Unidos, país com maior número vítimas da pandemia (mais de 71.000), perdeu 46 profissionais de enfermagem, segundo entidades de classe. A Itália, segunda nação mais afetada pela doença com mais de 29.000 vítimas, teve 35 óbitos, de acordo com informações da Federazione Nazionale degli Ordini delle Professioni Infermieristiche, entidade equivalente ao Cofen no país europeu. A Espanha, que vem logo atrás com mais de 25.000 mortos, teve apenas quatro óbitos entre profissionais da área, segundo o Consejo General de Enfermería. Os dois países europeus tiveram o início da crise antes que o Brasil e já passaram do pico de casos. Os dados da China, apesar da terem a confiabilidade contestada, somam 23 até o final de abril. Por fim, o Conselho Internacional de Enfermagem estima que “mais de 100 enfermeiros e técnicos perderam a vida pela covid-19 enquanto trabalhavam na linha de frente”. Ou seja, o Brasil corresponde à maior fatia do total global de óbitos na profissão. O órgão, no entanto, reconhece que este balanço é apenas a ponta do iceberg.
“Um dos fatores [para a alta mortalidade] é que boa parte dos serviços de Saúde não afastou profissionais com idade avançada, acima de 60 anos, e com comorbidades. Eles continuam atuando na linha de frente da pandemia quando deveriam estar em serviços de retaguarda ou afastados”, afirma Manoel Neri, presidente do Cofen. Foi este o caso da enfermeira Maria Aparecida Duarte, 63, conhecida pelos colegas como Cidinha. Ela continuou trabalhando praticamente na porta de um pronto-socorro em Carapicuiba, na Região Metropolitana de São Paulo, apesar de ser parte do grupo de risco. Contraiu a doença e morreu em 3 de abril.
Um dia depois de sua morte a Justiça Federal determinou que profissionais de enfermagem do sistema público que façam parte de grupo de risco (por idade ou doença) devem ser realocados para funções que não envolvam contato com pacientes de qualquer síndrome gripal. A decisão veio tarde para Maria e dezenas de outros profissionais. Uma outra ação semelhante pede que esta medida seja ampliada para os trabalhadores da rede privada.
Outro problema enfrentado pelos profissionais da enfermagem é a falta de equipamentos de proteção individual, os EPIs. “Não apenas escassez quantitativa desses produtos, mas também a qualidade do material é questionável. Outra questão é o treinamento das equipes para usá-los: muitos profissionais se contaminam ou pelo uso inadequado do EPI, ou então na hora da desparamentação [retirada da máscara, luvas e avental]”, diz Neri.
A situação dos profissionais de Saúde é crítica em todas as cidades onde o sistema sanitário se aproxima (ou já chegou) ao colapso, como Manaus, Belém, Fortaleza, Recife, São Paulo e Rio, por exemplo. Com as unidades de tratamento intensivo quase lotadas, prefeituras e Estados tentam como podem abrir mais vagas para atender a população com coronavírus. Mas isso pode ter um efeito negativo: “Muitos leitos de UTI estão sendo abertos sem enfermeiros e médicos especializados em UTIs. Então o profissional acaba sendo colocado nesse serviço extremamente especializado sem o treinamento adequado”, diz Neri. “Todos estes fatores que levam à morte de profissionais da Saúde existem tanto nos hospitais públicos quanto nos privados”.
da redação, com informações do EL País