Nada pode estar tão ruim que não possa piorar.
Mãe de uma menina de 1 ano, Nielly Vasconcelos, 23, perdeu, no início da quarentena provocada pelo coronavírus, há mais de um mês, as quatro faxinas semanais que fazia. É o marido que está conseguindo pagar as contas da casa onde moram, em Diadema (SP), fazendo bico como padeiro em três padarias. Além de todas as dificuldades, Nielly ainda teve que enfrentar assédio ao procurar um emprego.
Ela costuma anunciar seus serviços em páginas no Facebook. Para sentir-se mais segura, Nielly afirma que nunca havia publicado o número de seu celular. Os interessados deveriam, num primeiro momento, chamá-la pelas redes mesmo, para que ela pudesse olhar o perfil da pessoa.
“Uma amiga foi estuprada”, ela justifica. “Uma pessoa trocou mensagem de texto com ela e a foto era de uma mulher. Quando ela chegou no local, o apartamento estava vazio, e o homem que se passou por outra pessoa cometeu o crime. Então morro de medo.”
Mas, com a ansiedade provocada por estar sem trabalho na quarentena, e numa tentativa de ter mais alcance com seus anúncios, ela passou a publicar o seu celular. E, há duas semanas, teve que trocar o número por causa de um assediador.
“Num primeiro contato, um cara ligou logo cedo, de um número privado, perguntando se eu poderia limpar um apartamento vazio. Fiquei com medo e perguntei se haveria alguém no local”, conta Nielly. “Quando ele respondeu que estaria lá, declinei. À tarde ele ligou de novo e perguntou se eu não toparia fazer a faxina por R$ 1.200, mas depois teria que masturbá-lo. Desliguei e ele passou a insistir, mandava ainda fotos íntimas. Tive que mudar o número.”
“Queria que eu casse de roupas íntimas”
Na troca de mensagens que teve com um suposto interessado em seus serviços de faxina, Patricia*, que prefere não ser identificada, não acreditou quando leu que o homem pediu que ela ficasse de roupas íntimas. Ele ainda quis fotos dela de corpo inteiro, ficou interessado se ela tinha tatuagem e ofereceu pagar mais se ela topasse “tudo”.
“Eu estava tão feliz que tinha conseguido uma faxina. Ele falou que me pagaria R$ 150 toda terça e sexta, aí depois veio com essas conversas”, ela relata.
Indignada, a moradora de São Paulo expôs toda a conversa nas redes. Ela diz que está pensando em entregá-las à polícia.
É crime!
Mensagens como essas que o homem identificado como Alex enviou já caracterizam a tentativa do crime de importunação sexual. E se o homem agir com grave ameaça, como falar que vai matar a filha caso a vítima não aceite suas propostas, pode ser considerado crime de estupro virtual.
É o que explica Débora Rodrigues, titular da Delegacia de Atendimento à Mulher de São Gonçalo, região metropolitana do Rio de Janeiro.
“O importante é que a vítima tenha dados do autor. E quando ele oferecer o emprego, ela deve já perguntar o nome e o endereço em que vai se apresentar, porque ele pode usar um chip pré-pago e usar a identidade de outra pessoa, e com isso teremos dificuldade em identificar o autor”, orienta ela.
“Mas, mesmo que não tenha nenhum dado, o importante é denunciar, e vamos cruzando informações até identificá-lo”, alerta a delegada.
Ele pode pegar de 1 a 5 anos de reclusão
Para a coordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, Flavia Nascimento, trata-se de uma situação em que o homem está se prevalecendo de uma relação hierárquica, de poder de gênero. Ela lembra que, além da importunação sexual, ele pode ser enquadrado — caso receba fotos da vítima — no crime de divulgação não consentida de imagem íntima, ambos com pena de 1 a 5 anos, se o fato não constitui crime mais grave.
Segundo o presidente da ONG Doméstica Legal, Mario Avelino, a trabalhadora deve sempre ter a preocupação e o cuidado de ter referências sobre o local de trabalho. E, se recebe uma ligação falando que foi indicada por alguém, é preciso checar com essa pessoa. Se essa trabalhadora for cadastrada em alguma agência, pontua ele, a empresa tem a responsabilidade de oferecer segurança à funcionária.
“Queria que eu trabalhasse à noite”
Moradora de Mogi das Cruzes, região metropolitana de São Paulo, Joice Rodrigues Silva, 33, percebeu a má intenção de um suposto candidato e cortou logo a conversa. Como as outras, ela ficou sem trabalho por causa da quarentena, e vem anunciando seus serviços em grupos nas redes sociais.
“Há duas semanas, uma pessoa me chamou numa mensagem privada, na minha página, e nem perguntou quais serviços eu fazia”, conta ela, que é mãe de seis crianças. “Ele apenas me ofereceu um valor maior do que peço pelo meu trabalho e disse que eu precisava ir ao seu apartamento à noite. Achei estranho e fui direta. Falei que precisava de serviço, não de sexo.”
“A gente cria expectativas quando nos oferecem emprego, e se aproveitam de uma situação delicada para isso”
do site Universa