Para muito além de ex primeira dama, Lúcia Braga, que faleceu na última sexta-feira (8), era uma mulher que subvertia os títulos. Meu contato com ela foi nenhum. O que eu conhecia era da TV, dos poucos guias eleitorais que tenho lembrança, e de ser “esposa de Wilson Braga”.
Sua morte suscitou notas de pesar e matérias frias, sem sentimento ou reconhecimento. E vale lembrar que o reconhecimento aqui tratado não diz respeito apenas ao que de fantástico e maravilhoso ela tenha feito, e sim, ela fez. Fala de reconhecer uma trajetória, e as trajetórias são feitas entre pulos, tropeços, quedas, equívocos.
Foi com a intenção de prestar uma homenagem justa à uma mulher singular, pedimos ao amigo e jornalista Wagner Lima que nos presenteasse com um registro histórico de impressões reais.
Acompanhe:
Lucia Braga é dessas figuras complexas e ricas que se descobre apenas se observar para além da condição de ex-primeira dama e ex deputada. De símbolo das mulheres na política nos anos 1980 a pessoa apontada por críticos como a incentivadora da favelização em áreas ribeirinhas e de barreiras em João Pessoa, Lúcia Braga conseguiu ascender à política, sem viver sob a sombra do marido e gerou um feito para o bem e o mal doa destinos da cidade de João Pessoa: derrotou os caciques do PMDB (hoje MDB). Quem eram eles mesmo esses caciques? Cássio e Ronaldo Cunha Lima, José Maranhão, Antônio Mariz… um timão de forças políticas reunidas no PMDB.
Tendo a candidatura a Prefeitura de João Pessoa impugnada, Lúcia não pode se candidatar e lançou Chico Franca a prefeito de João Pessoa. (Algo que se repetiu depois com Luciano Agra, que elegeu Cartaxo, que por sua vez, fugiu do propósito do que Agra pensava pra cidade como projeto de governo).
É emblemático lembrar da vinheta de Deslomar, candidato galã do MDB? O partido tinha um candidato boa pinta, o melhor single e a força do MDB. Mas, perdeu para os apelos de Lúcia Braga indicando voto em Chico Franca.
Chico Franca, aquele que ao se tornar prefeito decidiu abrir a alça do Ponto Cem Reis e o calçadão da Rua Duque de Caxias, transformando o Centro em um caos. Nem pedestres ou condutores ficaram satisfeitos e após gastar dinheiro o acesso foi fechado.
Na área social, Lúcia Braga foi uma pioneira e prenunciou políticas que já estavam nas demandas da sociedade como as defendidas pela reforma sanitarista e movimento feminista que se tornariam políticas públicas de Estado, só anos depois.
Essas são memórias que pairam na minha cabeça sobre a força, importância e legado de Lúcia Braga.
Antes mesmo de se tornar deputada federal, Lúcia Braga na área social tocou a Funsat e foi imbatível, cravando seu nome definitivamente na política. Sabia falar a linguagem do povo e entendia as necessidades mais básicas. Mesmo tendo ação por mal uso de recursos, ela fez algo extraordinário: colocou Rita Gadelha para coordenar os centros sociais urbanos. O nome do programa não lembro por motivos de “memória tem limite”.
(Rita Gadelha, juíza que após essa ação fundou o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua.)
Os centros sociais urbanos faziam em 1984, 1985 o que hoje CRAS e UBSs fazem: levava médico pediatra para mães consultarem os filhos, oferecia atendimento psicológico e com assistentes sociais e criavam grupos de artesanato para gerar renda.
Além da consulta com a pediatra, que pesava e avaliava a saúde das crianças os centros distribuíam cestas básicas e pacotes de mingau oferecido pelo governo federal. Foi uma pioneira!
Acompanhei de perto porque a madrinha da minha mãe, Rita Gadelha, era responsável por centro social urbano e minha mãe acabou sendo transferida do Centro Administrativo para trabalhar na área.
“Mainha Lúcia” foi uma mulher de fibra. Virou até “caco” em uma das temporadas do espetáculo Pastoril Profano, nos anos 90: “cadê mainha?”. O público imediatamente respondia com gargalhadas porque a piada ia direto na emoção do paraibano ao falar da mulher que entendia como poucos se comunicar com a massa.
Ao se candidatar a deputada federal, Lúcia Braga se tornou orgulho dos paraibanos, mas, em especial, das mulheres paraibanas. Camisa vermelha com o nome dela virou farda entre muitas mulheres Paraíba afora. Mainha, minhas tias, amigas, mulheres na vizinhança…por onde se passava se via, naquela época, um mar de mulheres vestidas de vermelho, uma cor que nos anos 80 era estritamente associada ao universo feminino.
Eleita deputada federal, Lúcia Braga integrou o seleto grupo de políticos que carregam no histórico a contribuição na elaboração da Constituinte de 1988. É nela que está a máxima que homens e mulheres são iguais perante à lei. É nela que estão todos os princípios norteadores da efetivação de políticas públicas que garantem direitos sociais que dos 1990 para cá foram implementados ou continuam em fluxo de implantação.
A trajetória e legado de Lúcia Braga vão além, muito além de números, datas e um cargo de primeira-dama, muito simples pra grandiosidade e força da mãe de quem via o Estado como um padrasto mau.
Wagner Lima