Luciana*, 32, fugiu do marido no começo de março, depois de ser ameaçada de morte. Ela já sofria violência doméstica havia três anos, pouco depois do início da relação dos dois, e era vítima de agressões, chutes, tapas e ofensas.
O limite chegou.
“Teve uma hora que não aguentei mais, e eu saí com a roupa do corpo levando minha filha de dois anos”, conta. De Goiás, onde morava, foi para uma cidade no Tocantins onde tinha alguns amigos — ela prefere não falar qual é para não ser localizada. Chegando lá, porém, veio a quarentena, e os planos de reconstruir sua vida desmoronaram.
Acompanhe sua história.
Sofri violência doméstica do meu ex-marido por três anos. Primeiro eram ofensas. Ele me xingava e me humilhava. Depois, partiu para a agressão física. Eu pensei várias vezes em sair de casa, mas tinha medo de que ele me perseguisse.
Até que um dia ele me ameaçou de morte. Foi em 2 de março deste ano. Ainda não se falava muito na pandemia e eu decidi que ia fugir. Peguei minha filha de dois anos e saí com a roupa do corpo, documentos e um pouco de dinheiro. Só.
Fui para uma cidade no Tocantins onde tinha alguns conhecidos.
Consegui um lugar para morar e estava atrás de emprego. Mas, dias depois, a pandemia se agravou. Eu estava desempregada, vi que não conseguiria bancar o aluguel. No meio disso, meu ex ainda descobriu meu número novo de telefone e começou a me ligar dizendo que me encontraria.
Tive que sair de onde estava. Com medo, fui direto para a delegacia. Já tinha medida protetiva contra ele, mas o fato de ele estar me ligando me deixou com medo. Chegando lá, só fizeram um boletim de ocorrência e me mandaram voltar para casa. ‘Voltar para a minha casa como? Eu não tenho casa’, eu respondi. Deram de ombros e fui embora. Lembro de sair da delegacia e andar com minha filha no colo, pela rua, chorando.
Nessa época, já estava tudo fechado. Não tinha mais lugar para eu pedir emprego, nem creche para deixar minha filha.
E eu ainda tinha que enfrentar o medo de ele aparecer a qualquer momento. Decidi ir até o Fórum de Justiça pedir ajuda, mas também estava fechado. Foram os policiais que faziam a segurança do
lugar que, ao ver meu desespero, me ajudaram. Ligaram para a prefeitura e uma assistente social apareceu.
No lugar não havia casa de acolhimento para mulheres vítimas de violência, como sei que existe em algumas cidades do país. Então, me levaram para um abrigo que hospeda pessoas que vêm do interior para fazer tratamento de saúde e não têm onde dormir. Não é mantido pela prefeitura, mas por uma instituição de caridade.
Eu estava desesperada. Pensava: ‘Meu Deus, não tenho teto, não tenho emprego, não tenho nada’.
Consegui o auxílio emergencial do governo de R$ 600, mas não deu para muita coisa. Comprei fralda, remédio e leite. Fiquei quase dois meses nesse lugar. Só queria minha dignidade de volta, um trabalho.
Minha filha tem asma, que é grupo de risco para o novo coronavírus, então não posso sair muito com ela. Comecei a ficar mais incomodada porque nessa casa não estavam seguindo as regras de higiene para combater o vírus, não usavam máscaras, era um fluxo de pessoas o tempo todo.
Comecei a escrever para os conhecidos que tinha na cidade, mas eles não me respondiam. Foi quando apelei para as redes sociais. Comecei a pedir ajuda postando meu relato, dizendo que precisava de um lugar para ficar principalmente por causa da minha filha.
Uma mulher que eu nem conhecia se sensibilizou e me ofereceu ajuda depois de ver meus apelos. Fiquei na casa dela por uma semana. Uma outra tinha contato de um vereador, que me cedeu uma casa que ele alugava mas estava vazia. Sem precisar pagar aluguel, posso ficar por três meses, arcando só com água e luz.
Agora, estou esperando a segunda parcela da ajuda do governo e vivendo de doações. Neste momento, não tenho um centavo. Espero conseguir pelo menos esse dinheiro do auxílio emergencial para sobreviver por mais algum tempo.
O que tenho em casa é arroz, feijão, cuscuz e macarrão, que me doaram. O fogão só funciona uma boca. Também não tem móveis, dormimos no chão. Mas pelo menos, temos um teto.
Eu só queria minha dignidade de volta.
*Se você está passando por uma situação de violência doméstica, ligue 190, 197 ou 180.
com informações do Universa