Hoje, 18 de maio, é o Dia Nacional e Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.
Recentemente, produzimos uma matéria sobre a possibilidade de aumento desse tipo de crime durante a pandemia. Acompanhe aqui.
Procurando dados e fontes para produzir uma matéria específica sobre a data, me deparei com uma mensagem no whatsapp:
“Amiga, eu sofri um abuso quando era criança. Tu acha que vale publicar?”
Sim, vale.
O relato veio por áudio. Três áudios de quase 5 minutos cada. Interrompidos por choro, justificativas e raiva, muita raiva.
Em quase 15 anos como jornalista, foi a coisa mais difícil que eu tive que fazer.
“Eu não lembro exatamente a idade que os primeiro abusos começaram. Mas eu sei que era só uma criança, e não entendia exatamente o que estava acontecendo. Eu morava com meus pais e mais dois irmãos, eu sou a filha do meio e adorava visitar meus avós. Nessa época meu tio mais novo ainda morava com eles. Era uma casa enorme, com muitos quartos e nos fins de semana estava sempre cheio de gente. Esse meu tio era quem comandava as brincadeiras com meus irmãos e meus primos, e era sempre divertido.
Até que um dia, no meio da semana, meu pai nos levou pra ficarmos lá. Só meu tio estava em casa. Depois que meu pai foi embora, fomos assistir TV. Mas meu tio disse que tinha uma brincadeira nova pra mostrar pra gente, mas tinha que ser no quarto, e um de cada vez, e eu fui a última.
Eu ouvia meu irmão rindo muito, então achei que fosse algo divertido. E talvez, pra ele, tivesse sido. Chegou a minha vez. Meu tio pediu que eu deitasse na cama e fechasse os olhos.
Em respeito à vítima, não publicarei o que se passou.
Saí do quarto com uma sensação ruim. Eu sentia dor, eu quis chorar. Eu não consegui fazer mais nada. Meus irmão continuaram brincando e assistindo TV como se nada tivesse acontecido e até hoje me pergunto se eles foram poupados daquilo. Por que eu?
Os abusos se repetiram por algum tempo, até que de uma hora pra outra, pararam de acontecer. Por que eu deixei? Por que eu não gritei? Por que não contei pra ninguém? EU ainda não tenho nenhuma resposta. Só sei que o tempo passou e eu tentei enterrar aquilo tudo. Fazer de conta que não tinha acontecido.
Até que outro abuso aconteceu.
Eu tinha 12 ou 13 anos. Estava em casa. Meus pais tinham recebido uns amigos pra uma festa. Eu estava no meu quarto, sozinha, desenhando. A ponta do meu lápis quebrou e eu peguei um estilete pra apontar. Um desses amigos entrou no meu quarto e começou a puxar conversa. Eu não me importei, ele era conhecido, estava sempre lá e sempre foi gentil. Enquanto eu apontava meu lápis, ele me agarrou por trás e ficou me segurando. Em pensei em cortar a perna dele com o estilete. Mas me cortei de propósito. E foi só quando o sangue começou a pingar no chão que ele me largou.
Ainda disse que eu tomasse cuidado com aquilo, saiu, e eu nunca mais o vi. Naquele momento eu já entendia o que havia acontecido e passei a entender o que acometeu com meu tio.
Cresci com muita raiva dos homens, dos meus pais e da minha família. Não consegui contar pra ninguém e mesmo assim culpava todo mundo e me culpava. Meus relacionamentos foram todos um desastre. Passei de um relacionamento abusivo pra outro durante toda minha vida. Não consigo sentir prazer com o sexo, não consigo pensar em ter filhos e imaginar que isso pode acontecer com eles.
Só agora comecei a fazer terapia.
Aquilo me marcou de um jeito que eu penso no que eu poderia ter sido, no que eu poderia ter feito. Minha vida foi destruída por alguém que eu admirava, e ninguém conseguiu me proteger.”
Em caso de denúncia de abuso e exploração sexual infantil ligue: 100 (nacional), 123 (Paraíba) ou 156 (João Pessoa)