Descriminalização da interrupção da gravidez: um longo caminho a percorrer

By 2 de julho de 2020julho 27th, 2020Lute como uma garota

A maior parte do trabalho da Câmara e Senado em relação à temática do aborto tem sido desfavorável para o avanço dos direitos das mulheres no Brasil na última década. Desde 2011, foram apresentados 69 projetos de lei, dos quais 80% criminalizam o procedimento de alguma maneira.Em 2019 essa tendência foi reforçada: foram 18 PLs com enfoque no tema (todos avaliados como desfavoráveis para as mulheres) enquanto nos anos anteriores foram no máximo dez por ano, segundo levantamento do Elas no Congresso, plataforma de monitoramento legislativo da Revista AzMina. Em 2020 a tendência segue: até o dia 25 de junho outras 11 proposições já foram criadas na Câmara e no Senado, dez delas desfavoráveis.

O projetos foram classificados entre aqueles que: apoiam a criminalização (que aumentam a punição e tentam restringir o procedimento em casos legais, por exemplo), apoiam a descriminalização (reconhecem o direito à interrupção voluntária da gravidez) e outros (que tratam de temas diversos como direitos trabalhistas das mulheres que sofrem aborto espontâneo, planejamento familiar, etc). Partindo da avaliação de que o acesso à interrupção voluntária da gestação como uma política pública é considerado um direito básico à mulher, PLs criminalizadores do aborto foram considerados desfavoráveis para as mulheres e aqueles que apoiam a descriminalização, favoráveis.

O volume de projetos desfavoráveis chama atenção, principalmente por muitos terem os mesmos objetivos. Em uma legislatura marcada por um Congresso mais conservador, mais do que conseguir uma mudança de fato na lei, as propostas funcionariam como uma forma dos congressistas marcarem posição diante do seu eleitorado, segundo a Sônia Malheiros, socióloga e parte da equipe do Centro de Estudos Feministas (Cfemea). “A posição contrária ao aborto foi sua pauta para se eleger. Então o parlamentar apresenta, porque mesmo que seu PL vá ser apensado a outro, vai estar na sua lista de projetos apresentados”.

Apenas um dos 69 projetos propõe descriminalizar o aborto, o PL 882/2015, de autoria do deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ), que foi reeleito em 2018 mas não está em exercício (mandato foi assumido por seu suplente Davi Miranda). O texto reconhece o “direito à maternidade voluntária e livremente decidida” e afirma que “toda a mulher tem o direito a realizar a interrupção voluntária da gravidez, realizada por médico e condicionada ao consentimento livre e esclarecido da gestante, nos serviços do SUS e na rede privada”.

O projeto de lei foi anexado a outro PL, o 313/2007, de autoria de o deputado Maurício Trindade (PR-BA), que tratava de outros ângulos da lei de planejamento familiar, que não o aborto. Wyllys chegou a apresentar requerimento para que os projetos tramitassem separados. Segundo ele, era preciso que a Câmara rompesse “o tabu, o preconceito e a desinformação sobre a temática” e permitisse um debate sério sobre a legalização da interrupção voluntária da gravidez.

O projeto acabou sendo arquivado no fim da legislatura, em 2018, e foi desarquivado em fevereiro do ano passado, mas continua apensado ao PL 313/2007, que aguarda parecer do relator na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) desde junho do ano passado.

Por que o Congresso pauta pouco a descriminalização?

Os histórico do Congresso mostra que o aborto é um tema usado politicamente por parlamentares que têm sua base de eleitores mais propensa à criminalização ou descriminalização. Na legislatura anterior, por exemplo, o então presidente da Câmara Eduardo Cunha afirmou que só pautaria para votação projetos favoráveis à descriminalização do aborto se “passassem por cima de seu cadáver”.

“Essa é uma legislatura mais conservadora, mais fundamentalista, que tem uma bancada sólida com força política e agenda anti direito das mulheres. Como a renovação do Congresso foi alta, e com esse perfil mais conservador, não é uma surpresa que eles atendam à agenda pela qual foram eleitos e pela qual o presidente da República foi eleito”, afirma Masra Abreu, assessora técnica do Cfemea.

Para a antropóloga Debora Diniz, uma das fundadoras do Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, também há um credo generalizado de que ao pautar o tema, haja uma aceleração de uma resposta restritiva a ele. “Quando pautamos o aborto no STF ouvimos muitas pessoas dizendo que poderíamos ser responsáveis por uma aceleração da tramitação da PEC do Nascituro, de que não era hora para essa discussão”, conta.

Ela diz, no entanto, que isso é uma ilusão. “A pauta já é estritamente de restrição. O nosso imobilismo é de conivência. Não podemos assumir a narrativa da oposição de que falar do aborto é acelerar a criminalização. Há uma hora certa para falar de descriminalização, mas a hora pra criminalizar o aborto é sempre?”, questiona.

Por ser menos submisso a essa pressão, o poder judiciário é um dos outros caminhos possíveis e, segundo Debora, legítimo. “Para ir ao STF precisamos ter a violação de direitos fundamentais, que nesse caso são o direito das mulheres se manterem vivas, a dignidade da pessoa humana, o direito de se autodeterminar. Temos claramente uma violação”, explica Debora. Há, no entanto, segundo ela, uma desesperança das mulheres seguirem esse caminho, já que ele leva tempo, e na gravidez esse tempo é insuficiente. “A corte é um caminho legítimo, mas acaba não sendo concreto por causa disso.”

Quem legisla sobre o aborto?

Elas no Congresso analisou também quem são os autores de projetos sobre o aborto. Desde 2011, o PSL é o partido com mais projetos sobre o tema, seguido do PR. Vale lembrar que o PSL ganhou maior representação no Congresso somente na última legislatura: na Câmara, por exemplo, o partido passou de 1 para 52 deputados nas eleições de 2018. Todos os projetos foram criados entre 2019 e 2020.

A parlamentar que parece estar mais comprometida com a criminalização do aborto é uma mulher da bancada do partido. Chris Tonietto, eleita em 2018, já é autora de nove proposições que tentam criminalizar o aborto. Quatro delas, criadas em 2019, foram avaliadas de maneira negativa pelo ranking Elas no Congresso – a deputada ficou na última posição do ranking da Câmara dos Deputados.

Destacam-se ainda nomes já conhecidos da agenda contra o aborto, como o Capitão Augusto (PL-SP) que figurou ao lado de Chris Tonietto na última posição do ranking da Câmara, e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, relator do Estatuto do Nascituro.

do portal AzMina

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