Era para ser um dia normal na pacata Arroio do Silva, cidade com menos de 10 mil habitantes no litoral catarinense. Ana*, de 21 anos, estava indo para casa de ônibus. Sentou nos últimos bancos. Enquanto mexia no celular, percebeu de relance que um passageiro estava se masturbando por debaixo da calça de moletom a três bancos de distância dela. O episódio, acontecido há quase dois anos, resultou num trauma para a jovem, que conquistou uma indenização da empresa de transportes, mas nunca mais conseguiu andar de ônibus.
Enquanto a cena acontecia, Ana questionou o condutor se havia um botão de emergência para acionar a polícia. O motorista parou o ônibus, repreendeu o homem e disse para ele descer —a duas quadras da casa de Ana. Ainda dentro do coletivo, ela passou a ser julgada por outras passageiras. “Elas começaram a falar que aquilo tinha acontecido por culpa minha, por eu ter sentado nos últimos bancos. Me senti um lixo e comecei a chorar”, diz Ana, que, em seguida, desceu do ônibus e acionou a polícia.
A situação aconteceu em agosto de 2018. Desde então, traumatizada, Ana nunca mais entrou em um ônibus pois soube que o homem continuava a circular nos coletivos, já que nunca foi preso. “Eu nunca mais tive coragem. Para mim foi uma sensação de impotência tudo o que aconteceu. Eu acredito que ele tenha me visto descer do ônibus aquele dia. Imagina se viesse atrás de mim?” Sem andar de ônibus, Ana teve que largar o emprego de faxineira na cidade vizinha de Araranguá. Hoje, trabalha no pequeno restaurante do pai, limpando peixes e ajudando no preparo das refeições. No ano passado, perdeu a prova do Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) por falta de carona.
Após o episódio, a jovem entrou com um processo contra a empresa de ônibus. A advogada Paola Alborghetti, que defende Ana, entendeu que a concessionária deixou a passageira desamparada e em lugar de risco, já que o homem desceu a poucos metros da casa dela. “Quando recebi a demanda, verifiquei que esse homem já havia feito isso reiteradamente”, diz a advogada. “A violência de gênero acontece muitas vezes de forma velada. Acredito que a obrigação de cuidar da dignidade sexual das mulheres é função não só do Estado mas também da sociedade como um todo.” Na última semana, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina anunciou que a empresa de transportes foi condenada a pagar uma indenização de R$ 10 mil em danos morais para Ana.
Ana, no entanto, ainda não se sente satisfeita com a decisão, já que o homem que praticou os atos obscenos não foi punido. Na época dos fatos, foi instaurado um termo circunstanciado, o autor foi identificado, mas não foi localizado.
Assim como Ana, quase todas as brasileiras com mais de 18 anos (97%) afirmaram que já passaram por situações de assédio sexual no transporte público, por aplicativo ou em táxis. Os números são de uma pesquisa inédita realizada em 2019 pelos institutos Patrícia Galvão e Locomotiva, com apoio da Uber.
da redação, com informações do Universa