Desde o início da pandemia, ainda no mês de março, nossos domingos estão ficando cada vez mais tristes. Uma alegria aqui e outra ali, um Dia das Mães, um Dia dos Pais, algumas felicidades momentâneas para quem tem sorte. Alguns estudos indicam que o domingo é dia mais triste da semana. Esse domingo, 16 de agosto de 2020, é o mais triste desde o 22 de março, primeiro domingo depois que a pandemia virou, de fato, uma pandemia.
Mas todo domingo é o fim de uma semana, e essa semana foi igualmente triste.
Ainda na segunda-feira (10), acordamos estarrecidos com a história de uma menina de 10 anos, estuprada desde os seis, e grávida. Estuprada e grávida do próprio tio. Engolimos essa notícia junto com nosso café da manhã de uma segunda-feira com gosto de sangue e fel. A semana seguiu com novas atualizações e cada novo click, uma nova indigestão.
Como prevê a lei em casos de estupro, a menina teria o direito à interromper essa gestação, fruto de uma violência inominável. A ministra Damares se comprometeu a ajudar a criança e sua família. Em nota, a Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e Adolescente do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos afirmou que “está atenta e acompanhando de perto todos os desdobramentos do caso” e que “vai amparar emocionalmente a criança vitimada, bem como seu bebê”. Quando inclui o “bebê” na nota, já sabíamos que essa menina ainda teria de enfrentar outras violências.
Neste domingo, 16 de agosto de 2020, Sara Winter, uma mulher que envergonha qualquer um que se enxergue como ser humano, postou nas redes sociais o nome da menina, o nome do médico, e o hospital em que ela faria o procedimento para interromper a gravidez que foi fruto de um estupro. Sara Winter conseguiu essa informação por via oficial, a menina estava sendo protegida pela Conselho Tutelar, então não houve outra forma dela conseguir os dados do caso se ela não tivesse amplo e irrestrito acesso à informações que a Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e Adolescente do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Sara Winter é amiga de Damares, chegou a ser cotada para assumir uma secretaria. Ligue os pontos.
Diante dos dados divulgados, fanáticos religiosos a favor da “vida” de um feto, foram parar na frente do hospital. Tentaram constranger o médico. Tentaram invadir o hospital. Assistentes sociais que acompanham a menina, falam que ela grita e chora quando alguém toca no assunto da gravidez. Essas “pessoas” que gritaram, babaram, rezaram, e vomitaram na frente de um hospital, estão pouco se lixando para essa menina. Eles não se importam com essa vida. Eles não se importam com sua dor, não querem saber onde está o estuprador. Sequer, procuraram saber o nome dele. Eles não ligam. Eles não ligam nem para o feto. Não querem saber como essa menina irá lidar com isso durante o resto de sua vida. E tanto não se importam que sugeriram, inclusive, que a menina “poderia dar para adoção caso não gostasse do bebê”. Porque sim, é muito mais “cristão” se livrar de um bebê que não “gosta” dando pra adoção.
O Brasil está completamente doente. Essa discussão nem deveria estar acontecendo. Essas pessoas se acham no direito de ‘bostejar’ em frente a um hospital onde uma criança de apenas 10 anos vai tirar de si o último resquício físico de uma violência que irá lhe acompanhar por toda vida. Ninguém se recupera de um estupro, muito menos quando se é uma criança.
Os fanáticos religiosos não aceitam isso. O sofrimento dessa menina precisa ser presente, físico, precisa rasgar suas entranhas, deformar seu corpo infantil, destruir sua mente, transformar suas lágrimas em sangue. Precisa sair dela como um corpo, chorar e pedir leite. Precisa existir enquanto indivíduo para que essa menina aprenda, aos 10 anos de idade, que nascer mulher é uma maldição num país chamado Brasil.
Taty Valéria