EXCLUSIVO – Márcia Lucena fala sobre machismo estrutural, traições e desafios de inserir Conde no mapa do desenvolvimento

Mulheres em espaços de poder ainda causam desconforto e espanto. Mulheres em espaços de poder, e que não são oriundas de oligarquias, mais ainda. Márcia Lucena é uma mulher que quebrou paradigmas. Diante de um projeto de poder que exerceu consecutivos mandatos baseados na velha política tradicional, foi às ruas em 2016 com uma campanha limpa, baseada em projetos e em conversas olho no olho.

Quando as urnas do município de Conde foram abertas, Márcia Lucena atingiu os 6.477 votos, o que representou 49,10% das intenções. Sozinha, Márcia derrotou não só a gestão vigente. Ela derrotou décadas de atraso social e político. Mas o preço a pagar por essa vitória foi alto. Sucessivos ataques pessoais, processos mal escritos e mal aplicados, achincalhe público e midiático, tentativas consecutivas de manchar seu nome e sua história.

Em entrevista exclusiva ao Paraíba Feminina, Márcia Lucena falou dos desafios nesses quase 4 anos de gestão, como foi lidar com o machismo institucional e com as traições. “Com a experiência que eu adquiri, faria algumas coisas diferentes, mas isso é irreal e impossível”, diz, com a certeza de que é possível aprender com os erros, mas que é preciso continuar olhando pra frente.

Acompanhe:

Qual foi o maior desafio que você enfrentou nesses 4 anos de gestão?

O maior desafio nesses quase 4 anos de gestão foi conquistar e manter acesa a esperança das pessoas. Eu consegui conquistar isso durante a campanha, mas quando cheguei na gestão, vi que a coisa era mais complicada. Manter as pessoas no caminho da esperança foi o desafio mais complexo que eu tive. É subjetivo, mas é real. Objetivamente, os desafios foram muitos. Limpar o nome do município, deixar equilibrado financeiramente, organizar a folha, recuperar a educação, a saúde… Subjetivamente, o desafio maio foi manter essa liga, o olho no olho, e eu me dediquei de corpo e alma à isso.

Como foi para você vencer um projeto que governou Conde por tantos anos? Quais as consequências você enfrentou, e ainda enfrenta?

Não pensei nisso quando estava campanha. Pensei em fazer uma campanha num outro formato, que trabalhasse com a verdade e com a esperança, e não com promessas, com compra de votos. As consequências disso foram, e continuam sendo, muito grandes e graves. Fui desqualificada quase que diariamente todo esse tempo. Eu sofri e sofro bastante em função disso. Tive que me sustentar no lugar de mulher, no lugar de fazer gestão pública, sem ceder e sem me transformar numa “versão” masculina. Não estou dizendo que uma é boa e a outra é ruim, mas que são diferentes, e que a gente precisa sustentar esse lugar, de fazer liderança e gestão pública com os aspectos femininos. As consequências disso tudo foram muito tensas, essa desqualificação foi criando formas e se transformou em muita traição. Foram experiências bem difíceis.

Sabemos que o machismo institucional não aceita mulheres independentes em espaços de poder. Apesar da sua gestão ser reconhecida nacionalmente, você acredita que sofreu tantos ataques pelo simples fato de ser uma prefeita mulher, e que não vinha de nenhuma oligarquia?

A questão do machismo está muito atrelada à isso. O mundo do poder e o mundo da política são muito masculinos. A sociedade de maneira geral, não aceita facilmente mulheres em espaços de poder. Apesar da minha gestão ter um reconhecimento de dentro e de fora, eu sinto esses ataques, que são muito profundos e culturais. Mas para além dos ataques, existe uma característica que é muito forte: não aparenta ser uma violência, mas no fundo, ela é muito densa e presente.

Na minha própria equipe (que é maravilhosa e extremamente competente), às vezes me me deparo com a dificuldade deles em me atenderem enquanto comando, e se eu colocar um assessor homem para pedir a mesma coisa, tudo sai mais rápido. Acredito ainda que não é apenas uma questão de gênero, mas de modelo de liderança. Eu acompanho um modelo que sento no chão com as pessoas para produzir o que deve ser produzido, e no fundo, as pessoas querem ver aquele líder distante, lá no topo da pirâmide, e eu venho pra base da pirâmide.

Como você avalia sua gestão? Quais as lacunas existentes e quais ações você considera que foram as mais positivas?

Avalio a gestão de uma forma extremamente positiva. Quando você vem de um IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) que ia de 0 a 2, e pula para de 3 a 5, vejo o quanto avançamos. Saímos de 5% de alunos leitores para 85%. A rede de educação municipal é uma coisa absolutamente concreta, forte, estimulante e desafiante. A saúde, igualmente ou talvez mais desafiadora que a educação, tem crescido muito e tem tido uma qualidade fantástica. A qualidade da política de saúde pública me emociona.

Assumimos uma prefeitura com um rombo de multas e dívidas de R$ 84 milhões, sendo R$ 30 milhões só no Instituto de Previdência. Hoje o município está com sua vida financeira organizada, estamos com o nome limpo, todos os servidores e prestadores recebem em dia. Então eu acho que o saldo dessa experiência desses quase 4 anos é muito positiva.

Erros e equívocos sempre acontecem. Você consegue avaliar quais foram os equívocos dessa primeira gestão?

Eu não saberia dizer equívocos, pois traduzo tudo em experiência de vida. Acho que faria as coisas da mesma forma. Não existe isso de “faria tudo outra vez” porque não tem como existir outra vez, as coisas têm um ritmo muito intenso e mudam de forma muito intensa também. Não me arrependo de nada que eu fiz, sustentei um lugar de mulher gestora, de fazer uma política de forma correta, de primar e lutar pela participação popular e pelo diálogo, não simplesmente um diálogo do modelo convencional, mas uma escuta muito mais profunda e empática. Eu tive muitas vezes que me desmanchar pra poder caber no outro: o índio, o quilombola, pessoas que eu não sou. Eu faria tudo do mesmo jeito se tivesse oportunidade, e acho que uma coisa muito complexa nesse processo, é a questão da confiança. Muita gente diz que não dá pra confiar em todo mundo, mas a confiança na minha percepção é uma coisa conquistada todos os dias. Se não fosse assim não haveria traição: você só é traído e enganado pelas pessoas que você confia. O que dá pra ver é que a confiança é algo que se conquista diariamente, é algo mútuo. Não tenho medo de ser traída ou de ser enganada, isso faz parte da relação humana, mas quem traí e engana, é quem está no prejuízo real.

Faria algo diferente do que fez nesse período em que foi prefeita de Conde?

Com a experiência que eu adquiri hoje, faria algumas coisas diferentes, mas isso é tão irreal e impossível, quanto começar tudo de novo agora. Foram experiências vividas e situações enfrentadas que nos fortaleceram, nos amadureceram, nos deixam mais experientes, mas que já passaram. Sou satisfeita com tudo o que eu fiz.

Enquanto pré-candidata à reeleição, você se considera preparada para enfrentar mais esse desafio?

Me considero preparada sim para encara novamente a campanha política e uma nova gestão, até porque todo esse processo que eu vivi e que eu ainda vivo, que expõe essas violências e desqualificação e até esse processo (Calvário), tudo isso me fortaleceu bastante, eu estou pronta pra uma nova batalha, apesar de todas as dores e de todas as dificuldades, me sinto disposta. Assumi para mim mesma o compromisso de envolver as pessoas nesse projeto e tentar melhorar a realidade. Quando assumimos esse compromisso, não conseguimos mais virar as costas.

 

Taty Valéria

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