Se você abrir a página do Google nesta segunda-feira, 12 de outubro, vai se deparar com a ilustração de uma bela mulher negra usando colar de pérolas. Ela se chama Laudelina de Campos Melo, e foi pioneira na luta por direitos de trabalhadores domésticos no Brasil.
A ativista e sindicalista, homenageada do doodle do Google, não teria muito o que comemorar num país em que quase 7 em cada 10 trabalhadores domésticos não têm carteira assinada. Durante a pandemia, mais de 1 milhão de postos de trabalho nesse setor foram destruídos no Brasil.
Laudelina nasceu na cidade mineira de Poços de Caldas em 12 de outubro de 1904, menos de 20 anos depois da abolição da escravatura no país, em 1888. Ela começou a trabalhar aos sete anos de idade, abandonou a escola para cuidar dos irmãos enquanto a mãe trabalhava e aos 16 anos passou a atuar de organizações sociais do movimento negro.
Segundo o sociólogo Joaze Bernardino-Costa, naquela época o serviço doméstico era mencionado nas leis sanitárias e policiais somente com o intuito de proteger a sociedade contra as trabalhadoras domésticas, percebidas explicitamente como ameaças em potencial às famílias empregadoras. “Se ainda hoje a associação entre escravidão, trabalho doméstico e negro ainda está presente no imaginário social, sem dúvida nenhuma nas primeiras décadas do século 20 isso ainda era muito presente”, escreveu ele em sua tese de doutorado pela Universidade de Brasília (UnB).
A atuação de Laudelina e de outras pioneiras foi essencial para a categoria, e por extensão para as mulheres negras, porque as trabalhadoras domésticas não tinham direito à sindicalização e nem eram protegidas pela legislação vigente.
A categoria só garantiria direitos de carteira assinada e previdência social em 1972, mas ainda com sérias restrições aos trabalhadores domésticos.
Atuação e perseguição política
Já morando em São Paulo, a trajetória de Laudelina ganhou contornos políticos na década de 1930, quando se filiou ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e militou pela Frente Negra Brasileira (FNB), entidade do movimento negro que também seria reconhecida como partido.
Ao mesmo tempo, fundou no início daquela década a primeira associação de trabalhadores domésticos do Brasil, em Santos. Naquela época surgiriam também outras entidades da categoria em território paulista.
“A situação da empregada doméstica era muito ruim. A maioria daquelas antigas trabalharam 23 anos e morriam na rua pedindo esmola. Lá em Santos, a gente andou cuidando, tratou delas até a morte. Era um resíduo da escravidão, porque era tudo descendente de escravo”, disse ela em entrevista à educadora Elisabete Pinto, publicada em sua dissertação de mestrado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Mas essas entidades, o PCB, a FNB e tantos grupos políticos, culturais e classistas acabariam perseguidos e fechados durante a ditadura de Getúlio Vargas no Estado Novo (1937-1946). E mesmo a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que unificou em 1943 as leis trabalhistas existentes até então, não trariam benefícios para os trabalhadores domésticos.
Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1946), Laudelina se alistou para trabalhar como auxiliar de guerra no país. “Hitler foi o maior carrasco que existia naquela época. Dizia no Livro Azul que ele eliminaria todas as raças que não fossem arianas, principalmente a raça negra seria eliminada. Então aquilo me levou, me trouxe uma revolta dentro de mim. Então resolvi me alistar para servir a pátria”, explicou Laudelina a Elisabete Pinto.
Ela atuaria como trabalhadora doméstica até meados dos anos 1950, quando morava em Campinas (SP) e passou a ganhar dinheiro por meio uma pensão que montou e de salgados que vendia em campos de futebol.
A associação fundada por ela havia voltado a funcionar com o fim da ditadura varguista, em 1946, mas a trajetória de perseguições não havia acabado. Com o golpe militar de 1964, que instituiu novamente uma ditadura no país, a associação dos trabalhadores domésticos precisou se abrigar no partido UDN (União Democrática Nacional), cuja principal liderança era Carlos Lacerda, para não fechar as portas.
Doente, Laudelina acabou se afastando de sua entidade no fim dos anos 1960, e só voltaria a ela já no fim da ditadura, a pedido de amigas e companheiras. Em 1988, com a promulgação da nova Constituição, a associação finalmente se tornaria um sindicato.
Laudelina morreria em 1991, aos 86 anos de idade, em Campinas.
E só em 2013, com a aprovação da chamada PEC das Domésticas, os trabalhadores domésticos passariam a ter direito a benefícios semelhantes aos de outras categorias profissionais, como jornada de trabalho de 44 horas semanais, com limite de oito horas diárias, e o pagamento de hora-extra.
“(A trajetória de Laudelina) foi fundamental para a organização da categoria na busca de direitos. Laudelina também levantou, através da sua atuação sindical, bandeiras contra o preconceito racial e contra a discriminação das mulheres”, afirma a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas.
da redação, com informações da BBC Brasil
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